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Uso de dados para autoritarismo é desejo de governo, mas sociedade não permitirá, diz especialista

Governo federal tem "desejo" de controle autoritário do país e poderia usar dados digitais dos cidadãos para esse fim, mas instituições não permitirão esse processo, disse especialista à Sputnik Brasil.
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Segundo artigo publicado na quarta-feira (19) na revista MIT Technology Review, assinado por Richard Kemeny, o Brasil está caminhando, principalmente sob o governo Bolsonaro, para o que a publicação chama de tecno-autoritarismo: o compartilhamento de dados dos cidadãos para controle da população. 

O cientista político Guilherme Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida, explica que o tecno-autoritarismo é "um autoritarismo consolidado em bases de dados", que cresceu a partir da capacidade de armazenamento de informações possibilitada pelo surgimento da Internet em meados dos anos 1990. 

"Ou seja, um processo de controle a partir do conhecimento dos dados das pessoas, para prever o que elas farão, para que o Estado possa não permitir que essas pessoas façam aquilo que o Estado acha que elas não devem fazer", acrescentou. 

Brasil tem legado de governança de dados

No artigo da MIT Technology Review, o Brasil é apontado como exemplo em governança de dados, com iniciativas como a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil e do Marco Civil da Internet. Outro exemplo de pioneirismo citado é a aprovação pelo Congresso da Lei Geral de Proteção de Dados. 

Por outro lado, a publicação afirma que esse retrospecto está ameaçado. A revista aponta como exemplo disso decreto do presidente Jair Bolsonaro de 2019, que obriga todos os órgãos federais a compartilhar a maioria dos dados sobre os cidadãos brasileiros, de registros de saúde a informações biométricas, e sua consolidação no Cadastro Base do Cidadão

Para Carvalhido, setores do atual governo realmente têm a intenção de exercer controle autoritário sobre a população. 

"Vejo a vontade de alguns integrantes do governo federal de apresentar uma sociedade mais autoritária, onde há um controle maior do Estado sobre as atividades individuais, sobretudo o controle de determinadas pessoas que têm ideologias e movimentos de pensamento diferentes do que o governo tem. Até porque, esse governo, como qualquer outro, quer se manter o máximo de tempo possível no poder, e acredita que esse controle favorece não só a ordem social, mas também, evidentemente, sua permanência no poder", disse Carvalhido. 

'Instituições reagindo'

No entanto, o professor ressalta que existem "regras" para impedir esse processo, além de uma  "sociedade" e "instituições" demonstrando que não aceitariam essa guinada autoritária.

"Vejo as instituições reagindo a determinadas ações, não só do governo Bolsonaro, mas de outros governos. A sociedade tem setores que reagem e judicializam esse processo, de maneira que não estou vendo isso em prática, apenas o desejo e vontade de ocorrer, por um pensamento de certo autoritarismo do governo federal de controlar ações de pessoas que são contrárias a posição do governo", disse Carvalhido.

O artigo da MIT Technology Review diz ainda que a pandemia do novo coronavírus está acelerando a escalada do tecno-autoritarismo. O autor do texto cita decreto de Bolsonaro liberando o compartilhamento de dados de clientes das operadoras de telefonia para que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) possa realizar a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que mede o desemprego no país. A justificativa para a medida seria a situação de emergência provocada pela crise da COVID-19. 

Dossiê antifascista

Nesta quinta-feira (20), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Ministério da Justiça a suspensão imediata da produção dos chamados dossiês antifascistas contra servidores, que levantavam informações sobre a vida pessoal, escolhas políticas e práticas cívicas de 579 funcionários da área de segurança identificados como integrantes do movimento antifascismo e opositores do governo Bolsonaro.

Uso de dados para autoritarismo é desejo de governo, mas sociedade não permitirá, diz especialista

Para o cientista político, os exemplos de governança apontados pela revista em seu artigo continuam existindo, por isso não seria tão fácil para o governo ultrapassar os limites legais. 

"O que está acontecendo é um governo, uma ideia de governo, que está tentando impor um processo para o controle. Mas lembremos que existem leis estabelecidas anteriores ao governo, que legislam sobre esse processo. Logo, há uma diferença entre o desejo de execução de controle e as leis estabelecidas. Para que isso ocorra, a sociedade brasileira teria que aceitar esse tipo de controle, o que acho pouco provável. E, depois, esse governo teria que suprimir essas leis, estabelecendo sobre elas uma mudança", avaliou Guilherme Carvalhido.
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