O silêncio do presidente coincidiu com o período em que ele revelou ter contraído COVID-19 e com a prisão de Fabrício Queiroz — ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo de Jair há décadas.
Bolsonaro, contudo, ameaçou agredir um repórter no domingo (23) após ser perguntado sobre os cheques que Queiroz depositou para a primeira-dama e disse, na segunda-feira (24), que um "bundão" da imprensa tem menos chances de sobreviver à COVID-19 do que ele, por seu "histórico de atleta".
"Nunca houve Bolsonaro paz e amor. O que houve foi um Bolsonaro acuado e acuado pela prisão do Queiroz, pelas investigações em torno do caso da rachadinha, dos depósitos na conta da esposa, enfim, de tudo aquilo que de alguma maneira envolveu a própria família nos malfeitos na Assembleia Legislativa [do Rio de Janeiro] ou mesmo na vida parlamentar da família Bolsonaro de maneira geral", afirma Couto à Sputnik Brasil.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) avalia que o "medo" causado pela prisão de Queiroz e a existência de "muita coisa difícil de explicar" envolvendo o ex-assessor de Flávio ajudam a desvendar a movimentação recente do Palácio do Planalto.
Queiroz e Jair se conheceram na Brigada Paraquedista do Exército em 1984, segundo reportagem da revista Época. Queiroz acumulou dez casos de autos de resistência durante sua atuação como policial militar no Rio de Janeiro, aponta a revista Veja. Auto de resistência é o termo utilizado quando um membro da força policial mata uma pessoa que apresentou resistência. Um desses homicídios foi cometido ao lado do tenente Adriano da Nóbrega, que atuou como miliciano até ser morto na Bahia.
Queiroz foi detido no sítio do advogado Frederick Wassef, em Atibaia, interior de São Paulo, quando Wassef fazia a representação legal de Jair e Flávio. Nesta terça-feira (25), o jornal O Globo revelou que Wassef pagou uma despesa médica de R$ 10,2 mil de Queiroz em 2018. A movimentação foi identificada pelo Conselho do Controle de Atividades Financeiras, o COAF.
"Como existe muita coisa difícil de explicar nessa seara, o Bolsonaro recuou. Recuou, ficou quieto depois da prisão do Queiroz. Acho que, paradoxalmente, isso produziu benéfico para ele porque, ao ficar quieto, deixando de causar polêmica, ele fez com que muita gente tivesse essa ilusão de que havia um novo Bolsonaro mais moderado, paz e amor, para usar essa expressão que foi usada em um dado momento para o Lula, lá atrás, mas acho que o Lula teve, de fato, um processo de moderação. Não vejo como Bolsonaro possa qualquer dia da vida se tornar moderado, é de seu feitio ser um político extremista", diz Couto.
O cientista político afirma que a "aparente moderação" durou até a aprovação presidencial subir, com a ajuda do auxílio emergencial e da "normalização" da pandemia de COVID-19. A avaliação positiva de Bolsonaro está em 37%, o mais alto índice desde o início de seu mandato.
As "bravatas" presidenciais, contudo, não devem ajudar Bolsonaro para além do efeito de inflamar seus adeptos, diz Couto. "Para quem precisa de apoio no Congresso, articulação para aprovar reformas, ficar criando celeuma dessa maneira com jornalistas, com a sociedade, isso evidentemente não ajuda. Isso pode, claro, inflamar as bases bolsonaristas, mas as bases bolsonaristas não aprovam políticas no Congresso".