Fibrose pulmonar, câncer de pulmão, de laringe e ovário, mesotelioma pleural maligno […] O que à primeira vista parece um dicionário de patologias, na verdade representa uma lista de doenças causadas pela exposição ao amianto, material muito tóxico utilizado entre os anos 70 e 90 do século passado, também conhecido como asbesto. Era muito apreciado por suas propriedades fibrosas e retardantes do fogo.
"Consideramos que é uma pandemia, porque o amianto é afinal um material omnipresente, era muito utilizado na construção e em certas indústrias, mas não podemos perder de vista que o amianto foi amplamente utilizado aqui na Espanha na década de 70 e 80. Espanha não é um país produtor de amianto, não o temos, mas importávamos para os fins a que era destinado", diz Carmen Diego Roza, responsável da Seção de Pneumologia do Complexo Hospitalar Universitário de Ferrol e secretária-geral da SEPAR (Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia Torácica).
Julián Marín foi um dos trabalhadores falecidos em 2018 e que exerceu mais de três décadas trabalhos de manutenção no Metrô de Madri: reparava vagões, sistemas eletrônicos dos trens ou estações. Em todos esses sítios mexia em peças que continham amianto sem qualquer tipo de proteção. Na Espanha a utilização de amianto foi proibida só em 2002.
"Tudo isso relativamente a meu marido começou em 2017. No início de 2017, no inverno, [ele] tossia bastante. Um dia ele me disse "não sei o que está acontecendo comigo, tenho uma tosse que não passa". Então, naquele momento pensamos que era um simples resfriado, parecia que tinha passado um pouco e o deixamos assim," conta em entrevista à Sputnik Mundo Eugenia Marín, a viúva de Julián.
"No entanto, em março ele sentiu [...] como um estalido nas costas e então começou a ter uma dor muito forte. Nas costas do lado direito surgiu como um caroço comprido, aí pensamos que era um espasmo muscular", relata.
"[Ele] foi ao médico, começaram a tratá-lo como se tivesse um espasmo. Receitaram analgésicos típicos para espasmos. Mas como a dor não passava, mandaram-no fazer um exame do tórax e descobriram que tinham câncer de pulmão. A pneumologista percebeu que era o amianto. Nós ficamos muito surpresos porque ele nunca tinha falado do amianto, ele não sabia que realmente trabalhava com amianto", afirma Eugenia Marín.
Próxima parada: Bueno Aires
O rastro que deixou Madri com os trens de amianto é longo. Tão longo que chegou até a Argentina. Em 2011, Madri realizou a venda de vários trens com o material (36 vagões do modelo 5000), passados quase dez anos desde que o governo da Espanha proibiu a "utilização, produção e comercialização" de fibras de amianto ou de elementos que as contivessem.
"Assim que soubemos, dissemos 'não vamos mais dirigir esses trens'", diz secretário-geral da Associação Gremial dos Trabalhadores do Metrô e PreMetro de Buenos Aires.
"Nós solicitamos os manuais de CAF 5000 e, quando nos entregaram, percebemos que os manuais diziam que tinham amianto. Ou seja, se quem vendeu e quem comprou tivessem lido os manuais deveriam ter sido conscientes que não se podia fazer esse tipo de transação que estava proibida", comentou.
"O presidente da Sbase [Metrô de Buenos Aires, Eduardo de Montmollin] reconheceu que não puderam ler os manuais porque eram muitas folhas. Este foi um argumento, que não tiveram tempo de os ler. Não sei como vão defendê-lo, porque o Metrô de Madri tem muito argumentos para dizer que não fizeram fraude, porque lhes deram os manuais que diziam o que estavam vendendo."
De Madri argumentavam que os trens do modelo 5000 que foram vendidos a partir de 2011 ao Metrô de Buenos Aires continham amianto "encapsulado".
Em particular, o conselheiro-delegado do Metrô de Madri, Borja Carabante, insistiu em 2018 que Metrô estava revendo todo o procedimento para tentar confirmar que tudo foi feito corretamente ou se, pelo contrário, ocorreu algum erro nessa operação.
Algo que desmente Roberto Pianelli, o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores do Metrô e PreMetro de Buenos Aires, em uma das suas entrevistas ao El País, onde diz que "[o amianto] nem sequer estava encapsulado", que não estava revestido nem tratado para eliminar sua toxicidade.
A SEPAR afirma que o amianto provoca anualmente 88.000 mortes na Europa, o que representa 55-85% dos cânceres do pulmão no trabalho, segundo um parecer de 2019 de CESE (2019/C 240/04).
Na Espanha, estima-se que possa haver 130.000 mortes devido à exposição ao amianto até 2050.