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Marina Silva: foco social e políticas de longo prazo podem salvar democracias (EXCLUSIVA)

Em entrevista à Sputnik Brasil, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, explicou seu apoio à declaração em defesa da democracia, assinada por FHC e ex-presidentes latino-americanos, bem como apontou os caminhos para evitar o enfraquecimento dos Estados democráticos de direito na região.
Sputnik

Um documento assinado por Fernando Henrique Cardoso e vários ex-presidentes latino-americanos, divulgado na terça-feira (15), alerta para os riscos à democracia na América Latina.

"Estamos vivendo um momento de inflexão no futuro do mundo e de nossa região que gera ameaças e oportunidades. Por isso alçamos nossa voz para fazer um chamado: diante da pandemia da COVID-19, vamos cuidar do presente e do futuro da democracia. Existem riscos latentes e, se não pensarmos e atuarmos rapidamente, eles podem produzir uma grave deterioração democrática", diz a carta.

O manifesto foi assinado pelo colombiano Juan Manuel Santos, a costarriquenha Laura Chinchilla, os uruguaios José Mujica e Tabaré Vázquez, o boliviano Carlos Mesa, o argentino Mauricio Macri e mais de 160 personalidades políticas e intelectuais da América Latina.

Sputnik Brasil conversou com uma das signatárias da declaração, a ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente, e candidata à presidência nas últimas três eleições, Marina Silva. Segundo ela, atravessamos um momento crucial, e é necessário ter responsabilidade política, bem como fortalecer as instituições democráticas e o Estado democrático de direito.

"A crise que estamos vivendo no mundo e na América Latina, com desdobramentos enormes na vida do povo de cada região, requer esse tipo de atitude. Nós já tínhamos uma situação de fragilidade econômica, social e ambiental. Na América Latina isso tem contornos bastante relevantes. Desde a recuperação democrática da década de 80 e da pacificação das lutas insurgentes, principalmente na América Central, a América Latina vem passando por situações que muitas vezes são difíceis, mas mesmo assim conseguindo manter a necessária alternância de poder. Mesmo com algumas situações de fragilidade, como é o caso da Bolívia, e como é o caso da Venezuela, que sofreu décadas de violência política", disse Marina Silva à Sputnik Brasil.

A ex-ministra destacou que, em função da gravidade da crise econômica, é preciso atuar em várias frentes: tanto na área de saúde pública, quanto na manutenção das condições que preservam a dignidade humana.

"Só no Brasil, metade da população economicamente ativa está desempregada. Uma boa parte dos jovens sem perspectiva de voltar para escola. Temos uma situação que, além da crise econômica, aponta na direção de fragilidades sociais, mas também políticas. A América Latina vive situações de crise. Então nós temos responsabilidade por isso. É louvável que pessoas como presidente [Ricardo] Lagos, Fernando Henrique, Tabaré Vázquez e outras lideranças, não necessariamente políticas, estejam preocupadas com o fortalecimento das instituições democráticas na América Latina, com uma recuperação que considere o combate às desigualdades sociais como um eixo central, bem como a questão da crise ambiental", ponderou Marina Silva.

Segundo a política, a América Latina apresenta tanto problemas como oportunidades. Apesar das fragilidades institucionais, a região tem potencial para um "renascimento econômico e social em novas bases, quebrando o paradigma do modelo colapsado que está aí".

"A América Latina combina contradições, com grandes desigualdades sociais, violência e falta de perspectiva. Mas aqui temos a maior parte dos recursos naturais, como terras férteis, água em abundância, fontes de energia e minério. Temos uma região com uma baixa densidade demográfica, com um pouco mais de 600 milhões de habitantes. Então isso nós dá um grande potencial. No entanto, é fundamental manter a democracia fortalecida", alertou a ex-senadora.

Marina Silva citou uma pesquisa de 2018, realizada pelo Latinobarómetro, segundo a qual 75% da população da região acredita que "os governos estão mais preocupados em preservar o seu próprio poder, do que em resolver os problemas sociais". Além disso, apenas 48% dos latino-americanos acreditam que a democracia seria o melhor sistema de governo.

"Então, nesse momento de crise econômica, crise social, e grave crise ambiental é preciso que haja uma unidade de propósito, de princípios e de valores que não podem ser relativizados em função de circunstâncias: a democracia, os direitos humanos, a preservação do meio ambiente", afirmou ela.

O que fazer?

Quando perguntada sobre o que os governos e as sociedades civis dos países latino-americanos poderiam fazer para evitar a deterioração democrática da região, Marina Silva destacou a importância dos problemas sociais. Segundo ela, o modelo somente se sustentará ao propor soluções para questões estruturais que afetam grande parte da população da América Latina.

"A primeira coisa é sempre dar resposta aos graves problemas sociais que nos enfrentamos. Aqui é uma das regiões com maiores desigualdades sociais. Com grandes índices de violência. Com falta de perspectiva principalmente para os jovens. Com problemas graves de racismo estrutural e discriminação das mulheres, uma discriminação que é estrutural também. Enfrentar esses problemas é o que vai fortalecer a nossa democracia", disse a interlocutora da Sputnik Brasil.

Um outro fator destacado por Marina foi a necessidade de garantir a alternância do poder na região, bem como a continuidade das políticas adotadas.

"Respeito à alternância de poder, com políticas a longo prazo, que tenham continuidade, independente de quem vai assumir o governo de plantão, é fundamental. Uma democracia não se sustenta se um grupo acredita que só ele pode realizar um projeto de país. Mas para isso é preciso que se tenha políticas que não sejam pendulares. Políticas que sejam de longo prazo. Não podemos ficar ao sabor de políticas pendulares. Educação, saúde e desenvolvimento sustentável não acontecem da noite para o dia. Então isso não pode mudar porque mudou o governo", disse a ex-ministra.

Na qualidade de ambientalista, ela destacou a situação no Brasil como um exemplo de volatilidade das políticas públicas e lamentou a postura da atual gestão.

"Em um ano e meio de governo a política ambiental foi destruída e agora o Brasil está novamente pegando fogo, inclusive o Pantanal. A gente vê o que acontece com a educação no Brasil. Todos os problemas que foram criados por um governo que não é capaz de compreender que não se pode fazer política de curto prazo para alongar o seu prazo na política", afirmou.

Marina Silva defendeu, ao contrário, "uma política de longo prazo nos nossos curtos prazos políticos" e convocou as lideranças e os governos a encararem "o desafio de um modelo sustentável de desenvolvimento".

"Um novo ciclo de prosperidade, que integre economia com ecologia, que avance no conhecimento tecnológico e científico para esse novo ciclo de prosperidade, com base no respeito à natureza e com distribuição de riqueza. Isso é política de longo prazo", concluiu.
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