Nesta terça-feira (22), o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, discursou na abertura da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, buscando, basicamente, se defender das inúmeras críticas que têm se acumulado contra o seu governo desde que chegou ao poder.
Em vídeo gravado, o chefe de Estado elogiou a atual gestão ambiental do país, a maneira como sua administração tem lidado com a crise da COVID-19, enalteceu os ganhos do agronegócio, minimizou as queimadas e os desmatamentos e afirmou que o Brasil segue respeitando os princípios estabelecidos na chamada Carta da ONU.
Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro tem enfrentado crescentes pressões internacionais por conta de suas políticas para o meio ambiente, consideradas permissivas para com os devastadores, e pela postura adotada diante do surto do novo coronavírus, ora negacionista, ora contrária ao isolamento e ao uso da máscara.
"No geral, o discurso do presidente Bolsonaro não foi diferente daquilo que ele tem feito, ou de como ele tem se comportado discursivamente, nas entrevistas e até mesmo nas suas ações", afirma em entrevista à Sputnik Brasil o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Segundo o especialista, como já era esperado, o presidente procurou adotar uma linha afirmando, basicamente, que "o mundo precisa da verdade para superar seus desafios", mas não a verdade baseada nos fatos, nos dados e nos números, e, sim, a verdade bolsonarista. E isso ficou claro nas tentativas de Bolsonaro de buscar outros culpados para os problemas do Brasil atual.
"No fundo, essa lógica do presidente Bolsonaro é característica desse um ano e meio que eu tenho chamado de presidencialismo de confrontação."
Apesar da vitimização e do desprezo de seu governo pelos fatos e pelo conhecimento científico, o acadêmico avalia que, no conjunto do discurso do chefe de Estado, há pontos importantes a se considerar sem "ingenuidade". E um desses pontos é o que se refere a interesses estrangeiros nas riquezas da Amazônia, por exemplo, ou em "desestabilizar o Brasil" enquanto concorrente em algumas áreas.
"Muitos países europeus e outros países têm, sim, uma visão protecionista e querem também desestabilizar o Brasil, especialmente em campos em que eles são menos competitivos", opina Prando, ressaltando que, por outro lado, isso não legitima a tentativa de Bolsonaro de usar esse fator para se vitimizar ou se isentar das responsabilidades "pelo que está acontecendo" na Amazônia ou no Pantanal. "Há problemas enormes no Brasil, o presidente não reconheceu esses problemas e, na grande maioria das vezes, no discurso, atribui sempre a outros."
Para o professor, é natural que um político utilize a oportunidade de falar em um evento como a Assembleia Geral da ONU para elogiar e tentar promover a sua administração, mas é "muito difícil" que isso possa mudar o relacionamento do governo com outros países, que, em geral, têm uma visão muito negativa do Brasil atual. Isso porque os governantes e demais autoridades dos outros países têm informações suficientes para fazer suas próprias avaliações com base em "dados" e "elementos concretos".
"O relacionamento do Brasil, para melhorar, com outros governos, depende de uma melhoria da postura do presidente e de apresentar resultados, dados, elementos concretos, para que se possa, inclusive, quando outros governos tentarem atacar o Brasil por questões econômicas, ele ter argumentos sólidos para contra-atacar no campo argumentativo."