O governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro anunciou, na segunda-feira (28), o programa Renda Cidadã, com o objetivo inicial de substituir o Bolsa Família. Essa não é a primeira tentativa do tipo do governo federal, sendo que em agosto o programa Minha Casa, Minha Vida foi substituído pelo Casa Verde Amarela.
Assim como na primeira proposta do Ministério da Economia para substituir o Bolsa Família com o já esquecido Renda Brasil, o Renda Cidadã foi criticado pelas fontes de financiamento anunciadas.
Se o predecessor foi descartado por Bolsonaro após críticas aos possíveis cortes em programas sociais como o Farmácia Popular para financiar o projeto, o Renda Cidadã trouxe um problema similar e segue sob ataque após o anúncio de cortes no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e também no pagamento dos precatórios, dívidas da União cujo pagamento foi determinado pela Justiça.
O vice-presidente Hamilton Mourão chegou a propor a criação de um novo imposto para resolver o impasse, enquanto entidades, como a Rede Brasileira de Renda Básica, defendem taxar os mais ricos.
Mercado financeiro teme 'pedaladas', gastos e insegurança jurídica
As incertezas em torno do programa atraíram críticas inclusive do mercado financeiro. Álvaro Villa, economista da Messem Investimentos, afirma que o mercado reagiu mal ao que soou como uma possível "pedalada fiscal" de Bolsonaro com aumento de gastos e criação de um clima de insegurança jurídica.
"É uma pedalada, queira ou não, essa questão da mudança do pagamento dos precatórios. É um tipo de pedalada, digamos assim. Já tem uma questão de insegurança jurídica envolvida, porque você está mudando, basicamente, o contrato que já foi estabelecido no passado. Já tinham as regras estabelecidas e agora estão falando que vão alterar a regra no meio do caminho. Isso traz um problema que é o seguinte: esse contrato que estou fazendo hoje, não será que vão mudar novamente?", afirma o economista em entrevista à Sputnik Brasil.
"Você tem um novo programa social, um novo aumento de gastos, fora todos os outros que a gente tem, e não tem nenhuma contrapartida nas despesas. Ninguém está falando de diminuir despesa. Então a questão é que o financiamento do programa não está sendo por uma contrapartida de redução de despesas, como deveria ser", aponta.
O economista da Messem Investimentos sugere que o governo foque na redução de despesas obrigatórias para conseguir manter o equilíbrio das contas e ter espaço para criar o novo programa.
"O governo tem que pensar em qual despesa vai reduzir. Se vão ser os super salários, por exemplo - essa seria uma boa saída -, se vão ser despesas com desonerações ou despesas de incentivos para alguns setores específicos, por exemplo. Enfim, o que não dá é vender ativo para aumentar despesa, aí você só está queimando dinheiro e não vai sair do lugar nunca. Você não vai conseguir fazer desenvolvimento nem econômico, nem social, por exemplo, fazendo privatização para poder cobrir um programa social. Então tem que ter ajuste de despesas", avalia o economista.
Com críticas generalizadas, discussão deve ficar para 2021
As críticas geradas pelo novo programa anunciado não ficam apenas no mercado financeiro. O cientista político Guilherme Carvalhido, professor da Universidade Veiga de Almeida, explica que o governo enfrenta críticas de partidos da esquerda, descontentes com a substituição do Bolsa Família e também de partidos do centro, que temem a criação de novos impostos. Carvalhido acredita que devido ao impasse, as discussões serão certamente adiadas para o ano que vem.
"Essas discussões devem ser adiadas para depois das eleições municipais. E eu diria até mais, eu diria que vai ser adiado para 2021, visto que o segundo turno das eleições é no final de novembro, logo em seguida entra dezembro, o recesso parlamentar vai adentrar o final de dezembro e janeiro todo", afirma o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.
"Isso pode também reconfigurar o processo de votação. Muitos deputados estão querendo colocar isso já em um novo movimento político que vai ser colocado ali com a nova presidência da Câmara e do Senado", aponta.
Segundo Carvalhido, além das eleições municipais, outro fator que terá peso nas discussões do Renda Cidadã será o impacto da redução do valor do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 na popularidade do governo, que hoje está no seu melhor momento.
"Tem que ver também, e isso é um outro ponto fundamental, como o governo ficará em relação à renda mínima. O governo reduziu de R$ 600 para R$ 300. Vamos ver como a posição da imagem do presidente e do seu governo ficará, o que também será decisivo para as forças que favorecem o governo e as forças que são contrárias. E o tempo disso ser colocado hoje é positivo para o governo, porque hoje o governo está com uma popularidade mais alta, o que favorece, dentro do Congresso, uma votação ligada aos interesses do governo", conclui.