As condições de sepultamento, advindas dos materiais libertados pelo vulcão, garantiram a preservação total da cidade romana de Herculano, até a descoberta do teatro municipal em 1710. Mais tarde, em 18 de novembro de 1739, foram descobertas as primeiras vítimas humanas. Assim, pouco a pouco, um assentamento urbano soterrado por cinzas vulcânicas foi se revelando. Porém, as mais excepcionais de todas as descobertas foram as várias centenas de vítimas humanas achadas entre os destroços.
Até o momento, houve poucas descobertas de tecido neuronal de vestígios humanos arqueológicos. Sob certas condições tafonômicas que impedem a decomposição dos tecidos moles, esses restos cerebrais são tipicamente saponificados. No entanto, boa parte desses restos encontrados tende a apresentar apenas uma má preservação das estruturas neuronais.
Durante uma pesquisa recente no sítio arqueológico de Herculano, realizada por cientistas de várias universidades e centros de investigação italianos, foi descoberto material vítreo dentro da cavidade craniana de uma vítima humana da erupção do Vesúvio, aparentemente derivado do cérebro. Investigações de proteômica e espectrometria de massa deste material permitiram aos cientistas identificar várias proteínas de origem cerebral humana e ácidos graxos da gordura do cabelo humano, indicando a preservação de tecido cerebral humano vitrificado.
Devido a um processo natural de vitrificação, em Herculano o CNS foi "congelado" em condição nativa, preservando estruturas celulares remanescentes intactas no tecido neuronal. A conversão de tecido humano em vidro, ou vitrificação, ocorreu como resultado do rápido resfriamento do depósito de cinza vulcânica após a exposição à nuvem de cinza quente a uma temperatura de cerca de 500 °C. A vitrificação é um processo natural que ocorre quando um líquido cai abaixo de sua temperatura de transição vítrea, o que depende muito da taxa de resfriamento e da viscosidade do líquido.
Como retirar informação?
Utilizando a microscopia eletrônica de varredura (SEM, na sigla em inglês) e uma ferramenta de processamento de imagem específica baseada em uma rede neural, os pesquisadores descrevem a descoberta sem precedentes de várias ultraestruturas típicas do sistema nervoso central (CNS, na sigla em inglês) do cérebro vitrificado da vítima e do tecido da medula espinhal. Esses restos são únicos pela excelente qualidade de preservação do tecido, possibilitando a análise ultraestrutural de um cérebro humano com cerca de 2.000 anos.
Com base na investigação SEM, é descoberto algo surpreendente: a preservação de um sistema de estruturas tubulares semelhantes a axônios que percorrem a matriz cerebral. A arquitetura neuronal observada é comparável à detectada em amostras biológicas após o protocolo de queda manual, ou protocolo de congelamento de alta pressão seguido de fratura por congelamento e imagem crio-SEM. As estruturas observadas são alongadas e de formato redondo, menores em diâmetro do que os vasos sanguíneos no sistema cerebrovascular.
Através do processamento de imagem, também foi identificada a presença de estruturas tubulares regulares dentro da matriz citoplasmática de corpos celulares neuronais. O diâmetro médio dessas nanoestruturas é de aproximadamente 23 nanômetros, semelhante aos microtúbulos citoplasmáticos. Além disso, a matriz do tecido cerebral e da medula espinhal do CNS parece consistir em nanoestruturas recorrentes com morfologia espiral. Essa evidência atesta que o processo de preservação do tecido neuronal induzido pela vitrificação é o mesmo para todos os componentes estruturais do sistema nervoso central.
Conclusões e futuro de outras pesquisas
Com base nas características ultraestruturais observadas, ou seja, características morfológicas e medidas morfométricas detectadas a partir do tecido arqueológico vitrificado, os cientistas são capazes de classificar corpos celulares e processos semelhantes aos axônios, como neurônios e axônios, respectivamente. Os pesquisadores colocam a hipótese de que o processo natural único de vitrificação que ocorreu durante a erupção do Vesúvio em 79 d.C, bloqueou a estrutura do sistema nervoso central, preservando assim sua morfologia intacta.
Tamanha descoberta terá uma implicação importante para entender as condições ambientais específicas que permitiram a vitrificação do cérebro humano e de outros tecidos neuronais descobertos em Herculano. A preservação deste material vitrificado implica que o cérebro não foi destruído durante a exposição aos fluxos piroclásticos quentes e por isso teve tempo suficiente para resfriar antes antes do corpo (e cidade) voltar a ser soterrado por mais camadas de detritos piroclásticos quentes.
Os resultados desta descoberta terão influência em campos como a vulcanologia e bioantropologia, o que pode abrir uma nova linha de pesquisa biogeoarqueológica em evidências anteriormente não detectadas nos locais soterrados pelas erupções do Vesúvio.