Mesmo com os problemas econômicos aprofundados pelo surto do novo coronavírus, que devem fazer o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro recuar 4,7% neste ano, segundo previsões da equipe econômica do governo, o ministro da Economia demonstra algum otimismo com os números de 2021.
Nesta semana, durante participação em um evento, Paulo Guedes disse que a economia brasileira deve ter condições de crescer em torno dos 3% no próximo ano, e que já demonstra sinais de força e a recuperação é generalizada entre os setores.
Matematicamente, um crescimento de 3% após uma queda superior não é algo para se comemorar, como afirma em entrevista à Sputnik Brasil a economista Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de Graduação em Economia do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa.
"A gente ainda vai ficar distante do que a gente era em 2019. E a gente já não era uma economia tão boa assim em 2019. Com esses 3%, que são, de fato, relativamente otimistas, na visão do ministro Paulo Guedes, a gente ainda vai estar pior do que fechou no ano passado", destaca.
De acordo com a especialista, há realmente um princípio de dinamismo porque muitas pessoas voltaram a trabalhar, a circular, a movimentação nas grandes metrópoles aumentou e, assim, cresceu o nível de atividade econômica. Por outro lado, a alta taxa de desemprego, o fechamento de um número significativo de empresas e outros problemas ligados à pandemia da COVID-19 apontam para uma recuperação muito mais lenta, com possíveis momentos de tensão no curto prazo.
"A gente vai ter que pensar em, por exemplo, uma reforma administrativa, que, querendo ou não, cria uma incerteza e uma tensão política muito grande. A gente vai ter que falar de reforma tributária, que, em algum momento, vai ter que também mexer um pouco mais, talvez, no bolso do contribuinte. Então, a gente vai passar por momentos que não vão ser tão confortáveis. Isso pode diminuir um pouco essa perspectiva do ministro Paulo Guedes de um crescimento de 3%", avalia. "Qualquer coisa que aconteça ano que vem que não seja o caos que nós vivemos agora, em 2020, vai criar uma perspectiva melhor."
Desde o início de sua gestão, Guedes tem defendido as reformas liberalizantes e privatizações generalizadas como maneiras de reequilibrar as contas da União e dar mais dinamismo à economia brasileira. Do ponto de vista da população, a aprovação do teto de gastos, a reforma trabalhista e a da previdência não surtiram os efeitos esperados ou prometidos pelos responsáveis por essas propostas, ao mesmo tempo em que as privatizações e as tentativas de privatizações mais recentes também foram alvo de inúmeras críticas.
Para Inhasz, isso não deve ser encarado como uma prova de que o caminho escolhido estava errado, mas, sim, de que não houve uma comunicação eficiente por parte dos defensores desse liberalismo, que não deixaram claro que medidas como essas levam tempo para dar resultado.
"Acho que as pessoas tinham uma expectativa, e isso foi um problema muito grande de comunicação, de que as reformas seriam imediatas, elas trariam efeitos imediatos. E a gente sabia que isso não ia acontecer. A gente sabia que esses efeitos aconteceriam ao longo do tempo, na medida em que a gente mantivesse uma agenda de reformas. Só que essa agenda de reformas ficou travada por conta de um grande percalço, um grande incidente, que foi o coronavírus."
Dentro desse cenário, em meio à tentativa de se promover uma participação maior do setor privado na economia e reduzir o papel do Estado, a pandemia cobrou justamente mais atuação do Estado e, segundo a professora, o governo fez o que deveria ser feito.
"Só que é óbvio que isso comprometeu um pouco desse objetivo, de fazer essas políticas. Elas não são erradas. Só que a questão é que, agora, a gente tem que repensar como a gente coloca essa agenda de pé. Se não, a população, que hoje não entende — e não entende porque, de fato, foi muito mal veiculado e mal explicado isso — vai ficar com a impressão de que essas medidas são erradas, que essas medidas são pouco efetivas. Quando, na verdade, quando bem implementadas e em momentos corretos, elas podem fazer o Brasil crescer muito."