Qual o futuro do Supremo Tribunal Federal com um novo presidente e um novo ministro?

Especialista em Direito diz à Sputnik Brasil que é cedo para falar em tendências da corte com Fux e Kassio, mas que STF precisa garantir as liberdades individuais.
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Um novo presidente que estreia jogando para o plenário decisões que estavam com turmas da corte ou com um só juiz, dando a entender que pode haver mais equilíbrio de poder entre as duas partes. E que redistribui processos. Um novo ministro que tem como desafio não se prender a quem o indicou. Uma corte abarrotada de processos. Diante disso tudo, a oportunidade de reforçar as liberdades individuais através da recuperação da figura do advogado. Essas são alguns temas que mexem com o futuro da mais alta instância da Justiça brasileira - o Supremo Tribunal Federal (STF). E que são analisadas pelo advogado, mestre em Direito e professor Cláudio Pinho, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.

Esse futuro começou a se concretizar com a posse de Luiz Fux na presidência do STF no dia 10 de setembro, um mandato que seguirá até o mesmo mês de 2022. E vai continuar quando Kassio Nunes Marques assumir no dia 5 de novembro a vaga do agora aposentado Celso de Mello. Diante deles, uma realidade maios complexa do que a agenda da corte como foro privilegiado, suspeição do ex-juiz Sérgio Moro ou prisão em segunda instância. A questão que Pinho considera fundamental nasce, com a melhor das intenções, com a Constituição de 1988, mas que acabou criando uma dificuldade no processo decisório do tribunal. 

"A Constituição de 1988 trouxe para seu foco o cidadão. E, com ele, a conscientização da cidadania. Suas demandas, que não chegavam ao STF, passaram a chegar. Com isso, questões muito específicas precisaram ser resolvidas no plenário. E isso o entupiu. E a Primeira e Segunda Turmas também. A consequência do entupimento de ações foi o empoderamento das decisões monocráticas", explicou.

Esse fortalecimento gerou três estratégias ao redor dos ministros.

"Contrariar o plenário (mesmo após decisão colegiada ele continua contrariando a decisão dos 11 juizes via aceitação de liminares); evitar o plenário (ele sabe que a maioria é contrária e segura o processo para evitar derrota); e emparedar o plenário (submeter a julgamento uma pauta de grande repercussão para jogar a opinião pública contra os demais ministros do Supremo)", concluiu.

A consequência deste entupimento de ações e o respectivo empoderamento dos magistrados ainda foram prejudicadas com a circunstância da judicialização da política, contou Cláudio Pinho.

"A dificuldade prática é que a massa de decisões do STF vai continuar lá por um bom tempo. Esse entupimento do Supremo é o grande adversário de Fux", disse Pinho lembrando que a judicialização da política, via partidos minoritários que perdem discussões no Congresso e recorrem ao Supremo, significou a apresentação de 1.600 demandas judiciais relacionadas somente com a COVID-19.

O novo presidente

Esse será um desafio para quem, como Fux, carioca de 67 anos, quer o plenário no foco das decisões. Para Cláudio Pinho, o novo presidente está tentando ter o colegiado como protagonista. A decisão de Fux de revogar o habeas corpus dado por Gilmar Mendes ao traficante André do Rap seria um exemplo. Na essência do STF, a decisão seria colegiada. Mas a "distorção" conferida pelo entupimento de ações após a Constituição de 1988 levou a isso, a que ministros aproveitassem brechas e tomassem decisões individuais. Coube a Fux mexer no tabuleiro.

Mas o mestre em Direito alerta que, apesar deste primeiro movimento, é "prematuro" afirmar que os passos de Fux são necessariamente bons para o STF e para a democracia.

"Difícil dizer isso no primeiro momento. Agora é que as questões serão levadas ao plenário. Teremos que ver a dinâmica do dia a dia. Importante saber como ele vai se comportar nessa situação", comentou.

Outra atitude de Fux que chamou a atenção foi a redistribuição da relatoria do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir no comando da Polícia Federal. O caso era conduzido pelo ministro Celso de Mello, que se aposentou no último dia 13. A decisão ocorreu um dia antes da sabatina pelo Senado do indicado por Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello, o desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) Kassio Nunes Marques. Na prática, com o despacho, Fux impediu que Nunes assumisse a relatoria do caso e tocasse um inquérito contra quem o indicou para o Supremo. Pelo regimento interno, o novo ministro herda todo o acervo de casos daquele que se aposentou.

"Não foi usual, mas não necessariamente uma manobra. Historicamente, o ex-presidente pega a relatoria, ou seja, agora seria a vez do Dias Toffoli. Gostaria de olhar isso sob o critério adotado. Seria importante avaliar isso", disse.

O novo ministro

O nome de Kassio Nunes Marques, piauiense de 48 anos, levantou questões não só porque Bolsonaro disse que o agora ministro era "100% alinhado" com ele, mas também porque o presidente levou o desembargador para um encontro com Dias Toffoli, ainda presidente da corte, e o ministro Gilmar Mendes na casa deste último. Segundo Cláudio Pinho, não passa de "futurologia" pensar que o Kassio vai agir de modo pré-determinado no plenário ou em alguma das turmas. Para ele, o que se pode dizer por enquanto é que o piauiense foi "um bom desembargador federal". E ainda no tema do possível alinhamento de ministros do STF com quem os indicou, o advogado explicou que o Supremo não tem esse histórico.

"A grande verdade é que o ministro, depois de empossado, põe todo o passado para trás, ele fica 100% livre em relação à consciência. Tudo é possível: ser progressista aqui, mais conservador ali", explicou citando que as decisões de Joaquim Barbosa contra o PT, mesmo tendo sido indicado pelo presidente Lula, são apenas um exemplo entre muitos.

Na questão envolvendo o relacionamento entre o STF de Fux e a Procuradoria-Geral da República (PGR), Cláudio Pinho acha que o novo presidente dará um "um trato institucional, vai ter menos 'mimimi' e mais decisão judicial". 

Pinho rejeita antever um STF mais conservador com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello em julho do ano que vem na suposição de que Bolsonaro escolha, como avisou, alguém "terrivelmente evangélico". Para ele, apostar em nomes é como uma "loteria" e cita o exemplo do próprio Kassio. Importante mesmo, em sua opinião, é o presidente da República escolher alguém com reputação ilibada e com compromisso que o cargo pede.

Seja qual for o nome a vir, o desejo de Pinho é que a figura do advogado seja resgatada pela nova presidência do Supremo. Ele se preocupa ao constatar que o apequenamento do papel do advogado - algo que ele considera ter acontecido no STF - é perigoso para a democracia. E que esse espaço é mais importante do que o perfil da corte.

"A partir do momento em que é mitigada a figura do advogado, temo pelas liberdades individuais em todos os tribunais. Ele é o grande lutador pela liberdade. É o advogado que argumenta, que está lá na porta do gabinete, é ele quem chega lá na hora e coloca uma outra posição para cá ou para lá", analisou.

Pinho reforça de novo a figura de seus colegas ao lembrar que a interpretação constitucional depende de um trinômio que envolve texto (a Constituição de 1988), o contexto (que se modifica com o tempo) e os intérpretes (advogados, juízes, cortes). E que gira em torno da figura dele mesmo, o advogado. Para terminar dando a devida importante à corte máxima, ele cita John Marshall, primeiro presidente da Suprema Corte americana. 

"A constituição é aquilo que o supremo tribunal diz que ela é".
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