Enquanto o planeta aguarda o desfecho das eleições presidenciais nos Estados Unidos, os dois principais candidatos seguem com suas estratégias próprias. O republicano Donald Trump, que almeja a reeleição, chegou inclusive a se declarar vitorioso na madrugada desta quarta-feira (4), pouco depois de iniciada a apuração de votos.
O democrata Joe Biden, por sua vez, optou pela cautela ao discursar para seus apoiadores.
Estamos nos sentindo bem onde estamos. Acreditamos que estamos no caminho para vencer esta eleição
Para entender melhor as especificidades deste processo eleitoral nos Estados Unidos, em especial a participação do eleitorado latino, a Sputnik Brasil conversou com a especialista Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP), especialista em políticas das Américas.
O especialista Oliver Stuenkel, cientista político e professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), afirmou no Twitter que os eleitores latinos "foram inundados com fake news em espanhol nas últimas semanas", com mensagens afirmando que Biden traria o socialismo para os EUA.
Para Denilde, havia muitas dúvidas sobre qual seria o impacto das "fake news" sobre o eleitorado latino, especialmente o de origem cubana e venezuelana, que demonstravam maior temor sobre a associação de Biden com os setores mais à esquerda do Partido Democrata e com os movimentos mais progressistas.
"Trump explorou esse viés, especialmente através do envio de mensagens, e usando as táticas que já tínhamos visto na eleição passada. Ainda é necessária uma análise mais profunda, mas essa é uma percepção inicial com base nos resultados", comenta.
Em termos gerais, Denilde considera que foi uma eleição bastante disputada, e que as estratégias adotadas pelos candidatos podem ter sido decisivas tanto para a vitória quanto para a derrota.
"Em relação a Biden, houve forte presença dos eleitores democratas antecipando o voto, o que fazia parte da estratégia, mas também gera uma série de incertezas, pois esses votos demoram mais para entrar na contabilidade, enquanto os eleitores republicanos tendem a votar no dia da eleição. Assim, os votos republicanos entram em massa antes, o que mostra uma liderança precoce de Trump em alguns dos estados decisivos. Além disso, os resultados iniciais mostram que Biden não avançou em eleitores nos quais era esperado que ele tivesse um bom desempenho, como os latinos e também as mulheres das regiões de subúrbios", opina a especialista.
Para a professora da ESPM/SP, apesar de o democrata ter conseguido uma votação expressiva nos centros urbanos, ele não conseguiu avançar como o esperado, enquanto Trump mostrou fôlego, pois as pesquisas mais recentes revelaram uma melhora em seus índices em alguns estados e isso foi confirmado com os resultados parciais. Também ficou evidente que Trump possui forte presença em alguns estados, onde sua votação foi expressiva.
Além disso, Denilde considera que algumas expectativas foram frustradas com os primeiros resultados, pois havia a perspectiva de que os eleitores relacionariam mais os seus votos com a questão da pandemia de coronavírus e seus impactos, enquanto a economia teria menor peso. "No entanto, os resultados das pesquisas que saíram ontem mostram que a economia foi um fator importante para a decisão, e que isso pesou de maneira favorável para Trump", acrescentou.
Decisão nos tribunais
Sobre a possível judicialização do processo eleitoral, a especialista avalia que este é um dos cenários previstos, pois os próprios democratas já temiam que, se não tivessem uma votação muito expressiva no colégio eleitoral, com clara vitória do Biden em estados-chave, essa questão seria levantada por parte do presidente Trump, algum tipo de reivindicação de recontagem ou qualquer outra alegação que pudesse inviabilizar os resultados.
"Esse é um cenário possível. Durante a madrugada, o próprio Trump deu sinal de que isso vai acontecer, especialmente em relação aos votos da Pensilvânia, estado onde há um volume muito grande de votos por correio, que ainda estão sendo contabilizados. Isso gera ainda mais incerteza e podemos nos deparar com um processo longo de contestação", opina a professora de Relações Internacionais.
Para Denilde, se realmente houver essa contestação nos tribunais, "é possível que a eleição fique em suspenso até sair o resultado, podendo passar por diversas cortes, até a Corte Suprema". Contudo, a especialista acredita que ainda é cedo para afirmar, pois isso dependerá de diversos fatores, como o próprio resultado e a velocidade de uma possível recontagem.
"São muitas variáveis para esse processo, mas a sinalização de Trump é que ele não aceitará um resultado desfavorável de forma tão fácil. Biden também indica que vai se posicionar e espera a contagem dos votos até o final, então, se houver algum tipo de ação por parte de Trump na Justiça, os democratas também buscarão os meios jurídicos. As duas equipes estão preparadas para isso e já vinham se posicionando ao longo das últimas semanas, então existe sim a possibilidade de um processo ainda mais conturbado", comenta.
Mudanças no processo eleitoral
Esta não seria a primeira vez que um pleito de tamanha importância chegaria aos tribunais norte-americanos na história recente. No ano 2000, na primeira eleição de Goerge W. Bush, houve um longo processo de recontagem de votos após a disputa acirradíssima na Flórida, uma exigência do candidato derrotado Al Gore, que resultou em diversas idas e vindas na Justiça. Por fim, a Suprema Corte dos EUA entrou em cena e bateu o martelo, afirmando que não deveria haver uma recontagem dos votos, selando a vitória de Bush no colégio eleitoral.
Denilde acredita que não é possível decretar se a ocorrência de um processo conturbado, cheio de demandas judiciais, pode levar a um clamor pela modernização do sistema eleitoral norte-americano. A professora acredita que existe apoio para que essas mudanças aconteçam, mas que se trata de um processo muito complexo, pois exige mudanças não só na Constituição Federal, mas também nas constituições estaduais.
"Seria um processo longo e bastante complexo. Apesar de existir apoio entre a população, não há um consenso, nem todos os estados aceitariam. Em toda eleição isso acontece e sempre esbarra na questão que, em um sistema federalista como o norte-americano, mudanças dessa natureza tendem a ser mais difíceis. Seria necessário um alto grau de consenso nos estados para que ocorressem avanços", conclui a especialista.