Em encontro com exportadores na última semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que "o Brasil está oficialmente saindo da recessão". Segundo ele, o país criou 300 mil empregos em setembro e segue em um ritmo "tão forte que talvez seja difícil manter" nesse patamar.
Guedes afirmou que, em anos anteriores de crise, as perdas de emprego foram maiores do que na atual. Neste ano, até setembro, cerca de 550 mil postos de trabalho foram perdidos, contra 650 mil na recessão de 2015 (de janeiro a setembro) e 687 mil em igual período de 2016.
"Os erros de política econômica causaram mais dano do que a pandemia", opinou o ministro.
De acordo com o economista Josilmar Cordenonssi, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é verdade que o Brasil está deixando a recessão, com um crescimento de 9% no terceiro trimestre em relação aos três meses anteriores, após dois trimestres consecutivos de crescimento negativo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista argumenta que também é correta a comparação feita pelo ministro entre o cenário atual e o de 2015, destacando que, ao contrário daquele ano, agora, o problema tem origem principalmente em "eventos não esperados" e impacta todo o mundo.
"Já em 2015, a nossa recessão foi em um período em que o mundo estava em recuperação, já tinha superado a crise de 2008. E foram medidas econômicas equivocadas que foram tomadas durante o governo Dilma que causaram aquela recessão, que nos custa até hoje. A gente não se recuperou, nosso PIB ainda não superou 2014. Nós estamos abaixo disso, tanto no PIB agregado como na renda per capita. Nós estamos mais pobres do que estávamos em 2014. Então, eu tendo a concordar com o ministro, sem dúvida alguma."
Além da crise desencadeada pela pandemia da COVID-19, Cordenonssi afirma que a economia brasileira também sofre com um "problema crônico de alto endividamento público". E este se torna ainda mais preocupante devido à taxa do seu crescimento.
"E nós temos um problema, que a dívida cresce rápido e o PIB cresce pouco. Isso agrava a nossa situação", explica.
Cordenonssi avalia que, depois de combater os problemas causados pelo novo coronavírus, ainda cuidando das medidas emergenciais de auxílio, o Brasil precisa se concentrar na criação de mecanismos para que a dívida atual não cresça ainda mais. E isso, segundo ele, seria possível através da retomada da agenda de reformas.
"Essa parte é que nós estamos falhando e que precisa ser retomada agora, após as eleições. Precisamos ter foco nessas reformas e, também, um orçamento enxuto para o ano que vem."
O também economista Istvan Kasznar, docente da Fundação Getulio Vargas, acredita que o surto da COVID-19 "assustou, aterrorizou e desmobilizou a sociedade brasileira". Mas, depois de um certo tempo, as pessoas sentiram que não podiam mais ficar sem trabalhar, e, junto com as medidas emergenciais, esse retorno ajudou a restaurar "uma certa evolução econômica". Isso, no entanto, "não significa que nós estejamos bem".
"Evidentemente, quando você estuda e vê que, após dois trimestres com valores negativos de crescimento, e que nós chamamos tecnicamente de momentos de recessão, você tem uma alta de 9,5%, não significa que a economia esteja bombando. Na verdade, ao longo do ano, nós vemos que existe um acúmulo de perda de 4,9%. Então, a economia brasileira ainda não está bem."
O professor aponta que a economia brasileira passa por um período de recuperação técnica momentânea e pode ser que o alento observado seja muito pequeno. Para ter uma ideia melhor do cenário, é preciso, de acordo com ele, observar se os níveis pré-pandemia estão sendo recuperados e também é preciso analisar a "velocidade da retomada econômica".
"Este ano é um ano, a rigor, perdido", diz o especialista, sublinhando que não há motivos para se comemorar.
Embora alguns indicadores mostrem alguma recuperação, os patamares, segundo Kasznar, ainda estão distantes dos de 2019 e ainda deve levar tempo para a economia brasileira realmente se recuperar.
Estruturalmente, o economista afirma, o país está "desarticulado do ponto de vista fiscal" e há uma grande necessidade de se reduzir essa carga de maneira drástica e discutir uma reforma de Estado.
"Nós temos também gravíssimos problemas de corrupção e de má administração com o dinheiro público. Então, esses grandes problemas da Lava Jato não poderiam ser esquecidos no nosso Brasil. A judicialização no nosso país tornou-se um esporte geral. Então, isso também acaba afetando tremendamente os negócios."
Ao contrário de outros países, que têm menor diferencial entre seus picos e quedas na economia, o Brasil, por uma série de razões, está mais suscetível aos efeitos de uma recessão, indica o professor.
"Embora até se possa falar em recuperação, isso não significa necessariamente que a economia esteja funcionando a contento. Nós necessitaríamos de uma indústria funcionando a 95%, de um setor de serviços plenamente empregador, com o máximo de inovação, modernização. Estamos muito longe disso. Nós necessitaríamos de uma renovação e modernização do aparelho de Estado, da organização do Estado, das mentes que criam e geram o Estado, das mentes que operam no Estado, como os servidores públicos. Quando é que isso vai acontecer? Ninguém sabe."