Ao receber descobertas contundentes de uma investigação realizada por um longo período sobre a má conduta militar no Afeganistão entre 2005 e 2016, o chefe da Força de Defesa, Angus Campbell, disse na quinta-feira (19) que uma cultura "destrutiva" de impunidade entre as tropas de elite levou a uma série de supostos assassinatos acobertados por quase uma década, relata a agência de notícias South China Morning Post.
"Algumas patrulhas fizeram justiça com as próprias mãos, regras foram quebradas, histórias inventadas, mentiras contadas e prisioneiros mortos”, disse Campbell, pedindo perdão “sinceramente e sem reservas" ao povo do Afeganistão.
Mentiras sangrentas e seus detalhes
Após os ataques de 11 de setembro, mais de 26 mil militares australianos foram enviados ao Afeganistão para lutar ao lado das forças americanas e aliadas contra os Talibã, a Al-Qaeda (os dois são proibídos na Rússia e em vários outros países) e outros grupos terroristas islâmicos.
Desde 2013, quando as tropas deixaram oficialmente o país, começaram a surgir uma série de relatos brutais sobre a conduta das unidades de forças especiais de elite.
O próprio inspetor-geral militar produziu um angustiante - e fortemente editado - inquérito oficial de 465 páginas, onde detalhou dezenas de assassinatos "fora do calor da batalha".
Segundo o próprio, o registro dos crimes foi "vergonhoso e inclui supostos casos em que os novos membros da patrulha foram coagidos a atirar em um prisioneiro para que conseguissem o seu primeiro assassinato, em uma prática terrível conhecida como 'sangramento’'." Os soldados juniores acusados teriam encenado uma briga para explicar e justificar o incidente, concluiu o relatório.
Há também evidência da morte de uma criança de seis anos, em uma invasão à casa de um prisioneiro, que acabou por ser fuzilado no local com o objetivo de economizar espaço em um helicóptero. Ao invés de serem encaminhados para a Polícia Federal Australiana, Campbell declarou que os 19 indivíduos envolvidos nos crimes registrados seriam encaminhados ao escritório do investigador especial para crimes de guerra, pois causaram uma "mancha" em seu regimento, nas Forças Armadas e na Austrália.
Da mesma forma, Campbell também decidiu revogar algumas medalhas de serviço de destaque concedidas às forças de operações especiais que serviram no Afeganistão entre 2007 e 2013.
Feitos impossíveis de serem remendados
O governo da Austrália tentou amortecer o golpe do relatório com o primeiro-ministro, Scott Morrison, informando ao povo australiano, na semana passada, para se prepararem para as "verdades honestas e brutais" contidas no documento redigido.
Nessa altura, o primeiro-ministro anunciou a nomeação de um investigador especial para processar os supostos crimes de guerra, uma medida que visa impedir qualquer processo no Tribunal Penal Internacional. Adicionalmente, um painel independente foi criado para impulsionar mudanças de liderança e culturais nas Forças Armadas.
Morrison também ligou para seu homólogo afegão na quarta-feira (18) para garantir que seu governo estava levando "muito a sério" a investigação de "algumas alegações perturbadoras".
Porém, o gabinete do presidente Ashraf Ghani, teve uma interpretação diferente da conversa, dizendo em uma série de tweets que Morrison havia “expressado sua mais profunda tristeza pela má conduta”, uma caracterização que foi fortemente contestada pelas autoridades australianas.
"Ao povo do #Afeganistão, em nome da Força de Defesa Australiana, eu sinceramente e sem reservas peço desculpas por qualquer má ação dos soldados australianos. Leia as desculpas completas do Chefe da Força de Defesa da Austrália abaixo."
Estas revelações são um golpe sério para o prestígio dos militares no país, que é amplamente reverenciado pelo povo australiano.