COVID-19 escancara racismo no Brasil e candidaturas negras são esperança, diz pesquisador

Nesta sexta-feira (20) é comemorado no Brasil o Dia da Consciência Negra, data que homenageia o protesto negro contra o racismo no país. A Sputnik Brasil ouviu o pesquisador da UNESP, Juarez Xavier, e a vereadora eleita de São Paulo, Elaine Mineiro, para comentar os avanços da luta contra a desigualdade racial.
Sputnik

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi criado no Brasil em 2003 atendendo a uma demanda histórica do movimento negro brasileiro por uma data que simbolizasse a luta contra o racismo no país, substituindo o 13 de maio como a principal data da população negra no calendário nacional. A demanda teve como objetivo usar a data e a memória de Zumbi dos Palmares como um instrumento de denúncia da contínua desigualdade racial no Brasil.

Juarez Tadeu de Paula Xavier, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), pesquisador e militante histórico do movimento negro, explica que a pandemia da COVID-19 revelou no Brasil, em 2020, exatamente essa situação de desigualdade "abissal" denunciada historicamente pelo movimento negro brasileiro. Nesse contexto, o Brasil assistiu a morte de mais de 167 mil pessoas, sendo que já se sabe que o vírus incidiu mais sobre a população negra e pobre.

"A COVID-19 elucidou para a sociedade brasileira as características que o movimento negro tem historicamente denunciado de um necroestado, com necrogovernos e necropolíticas que têm produzido a morte em escala industrial para a população negra, em especial jovens negros e mulheres negras", explica o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.
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Para Xavier, esse contexto específico tornou o protesto do Dia da Consciência Negra no ano de 2020 "fundamental" e "essencial" devido ao cenário de recrudescimento do racismo mundo afora, que já vinha sendo denunciado pelo movimento negro brasileiro.

"[Esse cenário] se confirmou de forma mais perversa ainda com a explosão da pandemia. Os números nos Estados Unidos mostram, por exemplo, que a população negra é aquela que está sendo mais duramente castigada", aponta o professor, acrescentando que o mesmo diagnóstico se repete no Brasil "com foco central naquelas pessoas que estão em condições de vulnerabilidade absoluta, aonde a comorbidade principal é o racismo".

Entre as medidas positivas para o enfrentamento a essa situação histórica de desigualdade, o professor destaca a implementação, a partir das eleições municipais de 2020, da reserva de verbas financeiras para candidaturas negras no Brasil, o que obriga os partidos a distribuir a verba do fundo eleitoral de forma proporcional às candidaturas negras.

"É uma conquista política importante do movimento social de negros, que já vinha reivindicando esse direito, em linha reta com as conquistas de direitos de ações afirmativas em outras áreas", aponta Xavier, que avalia que, assim como nas universidades, será necessária a criação de mecanismos de verificação para impedir fraudes e assegurar o direito das candidaturas negras.

A medida das "cotas financeiras" foi elaborada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e inicialmente valeria apenas a partir das eleições de 2022, mas foi implementada já neste ano após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

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O professor Juarez Xavier aponta, porém, que a decisão não foi amplamente cumprida e que os resultados das eleições mostram que o perfil dos eleitos segue distante do ideal, no sentido de representação da sociedade. Um levantamento publicado pelo portal G1 mostra que do total de vereadores eleitos neste ano, 84% são homens e 53,5% são brancos.

"Para que você possa democratizar esse processo é absolutamente necessário manter a política, ampliando-a e assegurando que ela seja executada de acordo com o espírito proposto pela lei. Ou seja, assegurar que os partidos garantam às candidaturas negras as mesmas condições asseguradas às candidaturas não negras, com o objetivo de ampliar a eleição desse conjunto de candidaturas e dessa forma pluralizar e democratizar o acesso ao capital político nesse país", avalia.

Pressão do movimento negro e nova legislação impulsionam mudanças

Elaine Mineiro, de 36 anos, foi eleita este ano vereadora em São Paulo pelo PSOL, com 22.745 votos, e fará parte de uma legislatura histórica da Câmara Municipal paulistana, que bateu recorde ao eleger quatro vereadoras negras. Apesar de ser um número pequeno diante das 55 cadeiras de vereadores, apenas duas mulheres negras haviam sido eleitas vereadoras em toda a história da capital paulista.

Neta de quilombolas e coordenadora da UNEAFRO, uma das maiores redes de cursinhos populares do Brasil, Elaine explica que sua campanha teve como fonte principal de recursos financeiros as doações de apoiares, mas afirma que seu partido fez a distribuição dos recursos seguindo a nova orientação de cotas financeiras imposta pelo STF e utilizando ainda diretrizes internas.

"No caso do PSOL a gente teve muitas candidaturas negras nessa eleição, inclusive elegemos – a maior parte das candidaturas [eleitas em São Paulo pelo partido] são negras. Ainda é um processo que está em construção, não só no meu partido como em todos os outros partidos", pondera Elaine Mineiro, vereadora eleita na cidade mais rica da América Latina, em entrevista à Sputnik Brasil.
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A educadora reforça que a introdução da nova norma nas eleições através dos tribunais superiores é fruto de um histórico de lutas do movimento negro e aponta que não é diferente dentro de seu partido, no qual os movimentos sociais passaram a exigir mais participação negra nos últimos anos.

"O partido se movimenta para dar uma resposta aos questionamentos que foram feitos e isso demonstra como foi importante colocar os questionamentos", diz Elaine ao ressaltar que o problema não está apenas dentro do PSOL, mas em todas as instituições.

A candidatura encabeçada por Elaine usa o modelo de mandato coletivo. Batizada de Quilombo Periférico, o mandato reúne outras cinco pessoas de diferentes regiões e movimentos sociais da cidade de mais de 12 milhões de habitantes. A futura vereadora explica que as candidaturas negras têm ganhado espaço dentro do partido.

"A nossa candidatura vem do movimento negro, vem do movimento de periferias. Mas as outras candidaturas no partido, que também têm ligação, obviamente, com movimentos, também deram essa resposta, também escolheram, em grande parte das vezes, representatividades negras de pessoas que militam dentro do partido", diz.

Para Elaine isso também reflete um momento de fortalecimento do movimento negro no Brasil através da Coalizão Negra por Direitos, que reúne diversas organizações negras brasileiras e também por meio do legado de Marielle Franco, que tem inspirado mais mulheres negras a entrar na política.

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A futura vereadora entende ainda que as vitórias eleitorais e a presença do movimento negro nas ruas em 2020 são parte de uma movimentação permanente contra o racismo que se manteve mesmo no atual contexto político e de pandemia. Diante disso, Elaine faz votos de dar prosseguimento a essa história com seu mandato.

"Acho que esse é um processo que o movimento negro entendeu que precisa ser contínuo, que estava aí antes, que está agora e que vai continuar. É tarefa nossa, enquanto movimento negro, é tarefa nossa enquanto mandato, agora, continuar colocando essa discussão, trazer as pautas do movimento negro para a centralidade do debate", afirma.
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