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Pressão antirracista pode atrapalhar reeleição de Bolsonaro, avalia especialista

O cientista social Dario Silva, da UERJ, comparou em entrevista à Sputnik os protestos contra o racismo nos EUA e no Brasil, avaliando ser possível que essa pressão atrapalhe a reeleição de Jair Bolsonaro, mas isso não significará, necessariamente, uma mudança de projeto.
Sputnik

O movimento antirracista Black Lives Matter, surgido nos Estados Unidos durante o governo do ex-presidente Barack Obama, voltou aos holofotes em meados deste ano com uma série de protestos desencadeados pelo assassinato de George Floyd, em Minneapolis, Minnesota, no final de maio.

Com marchas gigantescas e ações por todo o país, o Vidas Negras Importam, como é conhecido em português, mobilizou uma grande massa de apoiadores pelos EUA, incluindo artistas, atletas e outras personalidades, e inspirou vários grupos de ação social no exterior, incluindo o Brasil. 

Pressão antirracista pode atrapalhar reeleição de Bolsonaro, avalia especialista

A importância do movimento foi tamanha em 2020 que muitos atribuíram a derrota de Donald Trump nas eleições, entre outras coisas, às campanhas por igualdade racial, tema historicamente mais presente na pauta do Partido Democrata e pouco defendido pelo chefe de Estado norte-americano durante seu governo. 

"Em uma eleição fortemente disputada e polarizada como aquela, nos Estados Unidos, essa movimentação ajudou a trazer votos, sobretudo votos não necessariamente plenos de confiança no Partido Democrata, mas votos de rejeição, sobretudo da população negra", afirma o cientista social Dario Silva, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Em entrevista à Sputnik Brasil, o acadêmico argumenta que a "negligência" foi uma grande marca da administração Trump ao longo de todos esses quatro anos. E, nesse cenário, o movimento do Black Lives Matter conseguiu "sublinhar a maneira desastrada com que o presidente lida com crises internas". 

​Já apelidado de "Trump dos trópicos", o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, demonstrou, desde o primeiro dia de mandato, forte admiração pelo seu colega norte-americano, estabelecendo uma política externa intimamente alinhada ao governo Donald Trump. Por conta dessa relação e de inúmeras declarações polêmicas que desagradaram e seguem desagradando aos chamados setores mais progressistas interna e externamente, o líder brasileiro se tornou um alvo de diferentes grupos que lutam por igualdade e contra a discriminação, entre eles, os do movimento negro.

Indignados com mais um caso de assassinato possivelmente motivado por racismo — João Alberto Freitas, espancado até a morte em uma loja da rede Carrefour no Rio Grande do Sul —, milhares de brasileiros voltaram a protestar nos últimos dias contra a violência e a perseguição à população negra do país, ainda marginalizada apesar de ser maioria. E a resposta do governo, negando o racismo e denunciando uma suposta manipulação por trás dos atos antirracistas, acabou alimentando ainda mais as tensões. 

​Para o professor Silva, assim como ocorreu nos EUA, essa crescente mobilização contra o racismo que tem sido vista no Brasil pode, sim, atrapalhar a tentativa de reeleição do presidente atualmente no poder. Entretanto, isso não significa, necessariamente, uma derrota do "projeto que ele representa". 

"Bolsonaro é, seguramente, o pior governante do planeta e dificilmente perderá essa posição nas próximas décadas. Uma coisa é o governante e a marca que ele impõe em termos de rejeição, suas falas, sua presença midiática. Outra coisa é o seu projeto. Sim, essa movimentação pode atrapalhar a reeleição do presidente Bolsonaro, mas não, necessariamente, derrubar o seu projeto. Não é difícil que o mesmo projeto seja representado por candidatos que troquem os palavrões no discurso por citações em latim ou algum bordão de programa de domingo." 

​O sociólogo avalia que os movimentos antirracistas observados no Brasil e nos Estados Unidos são a continuidade de uma reação a "dois modelos de sociedade estruturalmente racistas". Segundo ele, em ambos os casos, a organização social que é tida como normal pelas classes dominantes está assentada na exclusão de parte da população e, em especial, no tratamento desigual aos não brancos.

"Isso pode levar a uma mudança do comportamento social. Sobretudo, pela recente e significativa participação de candidatos eleitos dentro da chamada pauta identitária, mas que, na verdade, vai muito além disso. Além da identidade, é importante sublinhar a desigualdade no Brasil e o racismo cotidiano, que migra para dentro das instituições políticas, das instituições de Estado, incluindo aí o judiciário. Então, é possível que a gente tenha uma mudança, não necessariamente no curto prazo, mas desde que esse movimento seja crescente."

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