O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou nesta semana novos números sobre o crescimento do desmatamento na Amazônia, indicando uma taxa mais de três vezes superior à meta apresentada pelo Brasil à Convenção do Clima há 11 anos, em Copenhague, para 2020. Neste ano, foram perdidos cerca de 11 mil km² de área do bioma, quando o objetivo do país era chegar perto dos 3 mil km².
Ao comentar o crescimento de 9,5% do desmatamento na região em relação a 2019, o maior em 12 anos, o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, disse que o resultado foi "menos pior" do que o esperado, pois o governo trabalhava com uma expectativa de crescimento na casa dos 20%.
"Eu vejo com grande preocupação essa manifestação do governo em relação aos índices do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. Porque essa é uma tendência que o governo vem manifestando já desde o ano passado e mostra que ele não tem qualquer perspectiva de mudar de atitude para o futuro próximo", afirma em entrevista à Sputnik Brasil o geólogo e ambientalista Pedro Luiz Côrtes, professor da Universidade de São Paulo (USP). "E é importante lembrar que a Amazônia tem um papel fundamental para o clima na América do Sul. E isso não é figura de linguagem."
Para o pesquisador, a maneira como o vice-presidente brasileiro encara os dados, admitindo que esperava algo pior, em nada ameniza a situação de degradação ambiental. Isso, segundo ele, apenas mostra que o governo tem sido inoperante no combate a essa devastação ou, quando tenta agir, suas tentativas não são exitosas.
"A ação do Conselho da Amazônia, no meu entendimento, pelo que eu tenho acompanhado, ela tem sido mais no sentido de avaliar possibilidades do que, efetivamente, empreender ações, partir para o combate efetivo ao desmatamento. Então, enquanto os membros do Conselho da Amazônia ficam sentados ali, discutindo o que está acontecendo, o que poderia ser feito, o que não podia, como será feito, falta de verbas e coisas tais, os desmatadores, os grileiros, eles não pararam. A pandemia para eles também não foi nenhum obstáculo. Eles continuaram agindo."
Côrtes avalia que a deterioração ambiental não é um fator que causará problemas climáticos no futuro, mas que já está causando, como aumento da temperatura, escassez de água, entre outros. Nesse sentido, ele diz não entender a falta de ação do poder público para evitar uma piora ainda maior nesse quadro.
"Nós já passamos da época das possibilidades. E nós estamos lidando com as consequências. E as consequências não são boas para a gente."
Elizabeth Eriko Uema, secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) considera "constrangedor" ver o vice-presidente da República tentando "defender o indefensável".
De acordo com ela, qualquer estatístico com um mínimo de conhecimento sabe que para se fazer uma avaliação mais correta do que está acontecendo na floresta amazônica é preciso tomar como base a série histórica. E esta, segundo ela, demonstra que "nós estamos caminhando, realmente, para a destruição total da Amazônia".
"Aliás, é visível o constrangimento do vice-presidente, ou do presidente do Conselho da Amazônia. Trazer dados, assim, que não dizem muita coisa. Porque comparar o ruim com o menos ruim não deixa de ser uma forma de se desviar do assunto e da falta, vamos dizer assim, de políticas concretas para combater o desmatamento na Amazônia", diz a especialista também em declarações à Sputnik.
Mourão, ao falar sobre a taxa de desmatamento inferior ao que o governo esperava, atribuiu o "menos pior" a supostas ações realizadas no âmbito da Operação Verde Brasil. No entanto, no entendimento de Uema, essa operação, "ao retirar atribuições dos órgãos ambientais e secundarizar a atuação dos órgãos ambientais no combate ao desmatamento na Amazônia", produziu um "efeito contrário ao que se esperava".
"Na verdade, quando o Conselho da Amazônia, junto com o Ministério da Defesa, eles retiram a autonomia dos órgãos ambientais, tanto na questão do planejamento das operações na Amazônia como da coordenação desse processo, e coloca Ibama, ICMBio e os órgãos ambientais estaduais em uma posição secundarizada, simplesmente atendendo as decisões que são emanadas de cima, na verdade, ela [a operação] prejudicou bastante o combate ao desmatamento na Amazônia", argumenta a ambientalista, destacando uma perda de expertise nessa mudança.
Outra questão igualmente complicada apontada por Uema diz respeito aos conflitos entre setores do governo que, "em tese", lutam contra o desmatamento e setores do governo que, "na verdade", atuam para "incentivar esse tipo de coisa dentro do mesmo território".
"Então, por exemplo: o próprio general Mourão fala na questão da regularização fundiária. Ora, quando você tem um governo que encaminha um projeto de lei ao Congresso Nacional no qual ele pretende regularizar áreas invadidas, na verdade, ele está dando um sinal verde e incentivando as pessoas a que invadam as áreas, na perspectiva, inclusive, de uma regularização futura", sublinha a secretária-executiva da Ascema, citando também a liberação para atividades de mineração dentro de terras da União na Amazônia.