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'O Brasil ainda precisa caminhar muito em termos de inclusão', afirma especialista

Em entrevista à Sputnik por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos, o jurista Marcus Vasconcellos considera que o Brasil avançou muito no tema, mas que é preciso muito mais para conseguir a inclusão de grupos historicamente marginalizados.
Sputnik

O Dia Internacional dos Direitos Humanos é celebrado todos os anos em 10 de dezembro. Essa data faz referência ao ano de 1948, quando, nesse mesmo dia, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos durante a Assembleia Geral das Nações Unidas realizada em Paris.

Para Marcus Vasconcellos, professor de Direito Constitucional da Universidade Paulista (UNIP), o Brasil tem o que celebrar nessa data, apesar dos acontecimentos recentes envolvendo questões como o racismo, a homofobia e a violência contra a mulher. Segundo o jurista, o fato de o país ter mostrado alguns avanços nesses últimos anos é motivo para celebrar a data.

"Houve alguns avanços, houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser constitucional a reserva de cotas para negros em universidades, que é uma ação afirmativa importante, houve o reconhecimento da união estável entre pessoas homoafetivas, as leis de proteção à mulher, com mudanças na Lei Maria da Penha, com a questão da criminalização do feminicídio. É claro que ainda estamos longe do ideal de proteção dos direitos humanos, mas é preciso celebrar esses avanços para lembrar que precisamos avançar muito mais", comenta o professor de Direito Constitucional em entrevista à Sputnik Brasil.

Recentemente, a agência da ONU para os direitos humanos criticou o governo brasileiro, ao afirmar que o mesmo agia com negacionismo diante do "racismo estrutural" existente no país, e insistiu que as autoridades precisam reconhecer o problema da discriminação como um "primeiro passo" para enfrentar o problema.

De acordo com a coluna do jornalista do UOL, Jamil Chade, a reação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) veio depois do episódio envolvendo a morte de um cidadão negro em Porto Alegre (RS), João Alberto Silveira Freitas, que foi asfixiado até a morte por seguranças brancos de uma grande rede de supermercados em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra no Brasil, o que gerou protestos ao longo de todo o país.

Naquele momento, a titular do ACNUDH, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, se pronunciou através de sua porta-voz, Ravina Shamdasan, que afirmou que o assassinato de João Freitas "é um ato deplorável e que precisa ser condenado por todos. E quando falamos de todos, há uma responsabilidade especial dentro do governo e nas estruturas mais altas da liderança política para que tais condutas sejam reconhecidas e que sejam condenadas [...] "O reconhecimento (do racismo) precisa ser o primeiro passo para resolver o problema", sentenciou. 

"Negros no Brasil sofreram todos os tipos de violência e injustiças. Negar o problema é perpetuá-lo. O importante, portanto, é que a liderança no mais alto escalão reconheça o problema e tome medidas para lidar com ele [...]. Esse não é um novo problema no Brasil e tem décadas, está profundamente enraizado", disse a porta-voz de Bachelet.

As Nações Unidas se posicionaram dessa maneira depois que integrantes da cúpula do governo brasileiro afirmaram que não existe racismo no país. O vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, disse em uma entrevista, no dia seguinte ao assassinato de João Freitas, que "no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui".

Para Marcus Vasconcellos, o racismo é um tema sensível no país, mas não pode ser considerado o mais sensível pois existem outras questões para as quais os governos e a sociedade civil como um todo deveriam olhar com a mesma atenção.

"O racismo é sim um tema sensível, mas é tão sensível quanto outros, como a questão da homofobia, da violência contra a mulher. Todos eles são temas muito sensíveis, e que demandam, efetivamente, uma atuação da sociedade civil e do Estado para se garantir a dignidade, a inclusão. O Brasil não pode mais tolerar, em pleno século XXI, a violência contra as pessoas negras, contra as pessoas homoafetivas e contra a mulher", sentencia o jurista.

O especialista em Direito Constitucional ressalta que os direitos humanos ainda não são plenamente respeitados no Brasil e que o país precisa caminhar muito "em termos de inclusão, de proteção das pessoas negras, das pessoas homoafetivas, e da mulher, entre outros". Além disso, Vasconcellos lamenta o fato de os direitos humanos ainda constituírem um pouco de controvérsia do jogo político.

"Infelizmente, muitas vezes, essas situações são utilizadas com finalidade política, com disputas políticas, o que é ruim, porque a proteção de direitos fundamentais é inerente à dignidade humana, ela é essencial para uma vida digna em sociedade. Então, essa disputa política só prejudica. Deveria haver uma união da sociedade civil, de governos, dos poderes executivo, legislativo e judiciário, um grande pacto de proteção dos direitos humanos, porque a Constituição brasileira é muito boa em termos de proteção de direitos humanos. O que o Brasil precisa é que haja respeito à Constituição, que haja a efetiva aplicação de seus preceitos, e não que haja desrespeito por questões políticas, pois isso prejudica e muito", opina.

Para o professor da UNIP, só haverá pleno respeito aos direitos humanos no Brasil quando houver garantia de dignidade para todos, e as pessoas forem tratadas por suas capacidades, por sua produção, e não pela cor da pele ou opção sexual.

"É preciso, efetivamente, avançar para um mundo em que as cotas não sejam mais necessárias, em que as ações afirmativas não sejam mais necessárias para promover a inclusão de grupos historicamente marginalizados", afirma.

Segundo o especialista em Direito Constitucional, é inegável que o país conseguiu avanços nos últimos anos, mas o respeito pleno ainda está longe e os direitos fundamentais, que estão consagrados na Constituição brasileira, são uma construção histórica que precisa ser consolidada ao longo do tempo.

"A proteção aos direitos fundamentais não nasce do dia para a noite. Uma das características que se coloca para os direitos fundamentais é a sua historicidade, ou seja, são direitos que vão sendo consolidados ao longo da história. Então, é preciso continuar lutando, continuar defendendo os direitos humanos, e continuar a celebrar datas como o dia de hoje para lembrar que ainda é preciso avançar muito no sentido de proteger a pessoa humana, de garantir dignidade ao ser humano", conclui Marcus Vasconcellos.

A Sputnik Brasil tentou contato com a Fundação Cultural Palmares, entidade governamental vinculada ao Ministério da Cultura que tem como objetivo promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira, através de sua assessoria, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.

A fundação é presidida atualmente por Sérgio Camargo, que vem sendo alvo de críticas por seus posicionamentos, nos quais chegou a negar a existência de racismo no país, afirmou que a escravidão foi benéfica para os descendentes dos negros escravizados, tachou o movimento negro de "escória" e proferiu ataques contra diversas personalidades afro-brasileiras.

A última polêmica envolvendo Camargo foi a edição de uma portaria que retirou 27 nomes da lista de personalidades negras notáveis da instituição, tais como o cantor Gilberto Gil, a escritora Conceição Evaristo, e a ex-ministra Marina Silva. Ontem (9), no entanto, o Senado Federal aprovou, por 63 votos a três, o projeto que susta os efeitos da portaria editada por Camargo.

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