A análise da igualdade de gênero foi encomendada pelo banco digital N26, que tem sedes em Berlim, Barcelona, Viena, Nova York e São Paulo. O estudo avaliou os avanços na liderança feminina no governo, em empresas, empreendedorismo, assim como facilitadores de sucesso, tais como acesso a educação e licença parental. O ranking é liderado pela Noruega, seguida por Finlândia, Islândia, Reino Unido e Alemanha.
Foram selecionados 100 países em todos os continentes, com dados comparáveis sobre as mulheres no local de trabalho. Para estabelecer o nível de paridade de gênero, primeiro analisaram por quantos anos um país foi governado por uma mulher desde 1970, bem como o número total de mulheres em cargos governamentais ou parlamentares atualmente.
O melhor desempenho do Brasil é no tempo em que uma mulher foi chefe de governo (13ª posição), e o pior, no número total de mulheres no governo federal (91ª). O primeiro resultado diz respeito aos cinco anos e meio dos dois mandatos da presidente Dilma Rousseff, até o impeachment. Já o segundo se refere à atual composição do governo federal, com 23 ministérios e apenas duas mulheres no comando: Tereza Cristina, da Agricultura; e Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Em comparação, Portugal está classificado abaixo do Brasil em número de mulheres chefes de Estado desde 1970 (41ª), mas bem acima no número total de mulheres no atual governo (17ª). Dos 19 ministérios portugueses, oito são ocupados por mulheres, com destaque para Mariana Vieira da Silva (Presidência e Modernização Administrativa), Francisca Van Dunem (Justiça) e Marta Temido (Saúde). Esta última tem comandado o país no combate à pandemia de COVID-19. A pedido da Sputnik Brasil, Kelly McConville, diretora do N26, analisou os resultados de ambos os países.
"Embora ainda haja muito trabalho a ser feito em ambos os países para alcançar a igualdade de gênero em todas as áreas, houve alguns sinais de progresso feito nos últimos anos, significativamente nas áreas de representação política e corporativa. Desde a introdução da Lei da Paridade em 2006, 36% dos parlamentares portugueses são agora mulheres, enquanto o Brasil aprovou legislação semelhante em 2018 estipulando que todos os partidos políticos devem investir um mínimo de 30% em campanhas lideradas por mulheres", comparou Kelly McConville.
Além da presença feminina na política, o estudo examinou a quantidade de mulheres em cargos gerenciais, bem como os dados sobre mulheres empresárias em cada país, para determinar quais nações ajudam a promover as oportunidades e realizações de liderança feminina mais fortes. Nesses aspectos, o Brasil figura na 23ª posição para mulheres na gestão, com um desempenho inferior para o nível salarial e disparidade salarial por gênero (66ª) e no acesso das mulheres à educação (64ª). Já Portugal, aparece à frente nas três categorias: na sétima, 19ª e 39ª posições, respectivamente.
"Portugal também aprovou uma cota de gênero para conselhos corporativos em 2017, e iniciativas como o 30% Club incentivam as empresas brasileiras a aumentar a diversidade de gênero nos conselhos e na alta administração. Na N26, acreditamos firmemente que todos, independentemente do sexo, devem ter a oportunidade e a liberdade de viver a vida que escolheram. Depende de todos nós trabalharmos juntos para remover as barreiras desnecessárias para oportunidades e conquistas", complementa a diretora.
Paranaense gerencia empresa em Portugal com crescimento de 700%
A paranaense Albany Guimarães mora em Lisboa desde 2005 e, nos primeiros sete anos, não atuou em sua área de gestão. Formada em Ciências Econômicas, ela levou a representação da Marita Network Europa para Portugal em 2016 e, dois anos depois, assumiu a gerência. Segundo ela, a empresa, que tem sede em Balneário Camboriú, faz vendas on-line em toda a União Europeia de produtos como café, capuccino e outras bebidas, com três pontos de apoio em solo lusitano e uma filial em Liechtenstein. Em entrevista à Sputnik Brasil, ela diz que há mais oportunidades para as mulheres em cargos de gestão em Portugal.
"Já temos em média 65 mil consumidores na Europa e cerca de 15 mil distribuidores. Faço a gestão da empresa há dois anos, que em Portugal se chama Rede Fácil Europa, com um crescimento já de 700%. Para conseguir o espaço, é necessária uma inclusão cultural, seguindo conhecimento burocrático, fiscal e de relacionamento. Mas aqui há mais reconhecimento, valorização, e, sim, oportunidades para tal. Proporcionalmente, acho que aqui é maior a [quantidade de mulheres em] posição de gestão", avalia Albany.
Ela atribui isso a fatores locais, como o fato de mulheres atrasarem a maternidade para priorizar a carreira. Apesar de reconhecer que foi uma mudança recente, a paranaense acredita que haja uma maior igualdade de oportunidades independente do gênero em comparação com o Brasil.
"As mulheres têm um foco e uma meta profissional desde muito cedo. Deixam a maternidade para idade avançada. A prioridade é estabilidade e capacitação profissional. Acho que há igualdade, sim, e há respeito por essa igualdade. Lembrando que não foi sempre assim. É recente a conquista do respeito ao posicionamento profissional feminino. Digo isso porque vi mudanças favoráveis nos últimos 15 anos em que aqui vivo. Percebo que a última geração portuguesa revolucionou", observa.
Para a portuguesa Paula Abreu, esse movimento é mais antigo e começou com a Revolução dos Cravos, quando, em 25 de abril de 1974, forças militares derrubaram a ditadura do Estado Novo. Antes disso, a primeira mulher a assumir um cargo do governo foi a angolana Maria Teresa Cárcomo Lobo, em 1970, como subsecretária de Estado da Saúde e Assistência. Desde o restabelecimento da democracia, 35 mulheres assumiram cargos de ministras. Em relação à última legislatura (2015-2019), em que António Costa também era primeiro-ministro, o número de ministras dobrou de quatro para oito.
Líder de uma equipe de vendas de 40 pessoas, Paula diz que as oportunidades para as mulheres na sua empresa (Bimby) são excelentes e cita que, acima dela, há uma gestora de loja e duas gerentes, uma regional e outra nacional. Todas mulheres. Ela também acredita que há equidade no acesso à educação e até mesmo nos níveis salariais, independente de gênero.
"Penso que temos, hoje em dia, praticamente as mesmas oportunidades. As promoções em Portugal são majoritariamente por desempenho e não por gênero. Penso que na política é o único sítio onde ainda os homens estão em maioria. De resto, nunca senti discriminação por ser mulher. Na educação, é igual. Temos as mesmas oportunidades. No tempo dos meus pais, ainda poderia haver alguma diferença. Depois da revolução, tudo mudou. Em trabalhos iguais, não acho que haja [desigualdade de salários]. Só se for em fábricas. Mas os sindicatos não permitem. Os ordenados são tabelados", opina Paula.
Apesar disso, dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança mostram que as mulheres continuam recebendo menos que os homens em cargos equivalentes em Portugal, mesmo que tenham a mesma formação acadêmica. A diferença salarial corresponde a 52 dias de trabalho pago ou € 148,9 (R$ 916,4) a mais para os homens. Doutoranda em Finanças e sócia-gerente da Warrior Steps Consulting, a portuguesa Cristina Igreja considera poucas as oportunidades para mulheres em cargos de gestão, em contraposição às discrepâncias salariais entre os dois gêneros.
"[São] muito baixas as oportunidades. Ainda há o sentido da mãe que faz tudo, e a mulher que tem as funções todas, com a família ascendente e descendente. E acaba por muitas mulheres desistirem da parte profissional. Em cargos de topo, [a desigualdade é de] ao menos 20% aproximadamente", diz Cristina à Sputnik Brasil.
Instituto Coca-Cola Brasil promove equidade de gênero e racial
Do outro lado do oceano Atlântico, o Instituto Coca-Cola Brasil (ICCB) é um bom exemplo de oportunidades para mulheres em cargos de gestão. Além do posto máximo ser ocupado pela diretora-executiva Daniela Redondo, há outras três mulheres entre as quatro posições de gerência. A equidade de gênero também é um tema transversal a todas as iniciativas da empresa.
No Coletivo Jovem, um dos principais programas de empregabilidade de jovens do Brasil e carro-chefe do ICCB, 61% dos participantes são mulheres. Com 30 mil participantes em 2019, 40% conseguiram emprego. Recentemente, o ICCB expandiu sua estratégia de transformação social para aumentar a escala de milhares para milhões de jovens impactados. Para isso, entre outras frentes de atuação, lançou dois editais, em parceria com o Fundo Baobá e o Instituto Ekloos, para investir em empreendedores e jovens lideranças negras. Gerente de Comunicação do Instituto Coca-Cola Brasil, Heloisa Binello ressalta a preocupação com a equidade racial e de gênero.
"O ICCB leva a equidade de gênero a sério nos seus quadros. Mas sabemos que o Brasil ainda tem muito a evoluir para equilibrar o nível salarial entre homens e mulheres, acesso à educação e ao mercado de trabalho por mulheres, especialmente as negras. Por isso, em nossos programas e iniciativas para os jovens, incluímos uma lente intencional para negros e mulheres", explica Heloisa à Sputnik Brasil.