O ano que se encerra foi marcado por muitas trocas de farpas e declarações nada amistosas entre o governo brasileiro e parceiros importantes como a China, membros da União Europeia e o presidente eleito dos Estados Unidos, gerando preocupações sobre as consequências dessas polêmicas para o Brasil.
Ao longo de 2020, esses embates variaram principalmente entre conflitos ideológicos e diferenças de visão sobre a questão ambiental, sem dúvidas, um dos pontos mais sensíveis para a política externa. Considerando as muitas perdas sofridas pelo Brasil e pelo mundo por conta da pandemia da COVID-19 e a necessidade de uma sólida recuperação em 2021, que impactos esses imbróglios poderão ter sobre a economia brasileira no próximo ano?
Para o economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará, as polêmicas iniciadas sobretudo pelo grupo mais próximo do presidente Jair Bolsonaro — quando não por ele mesmo — não apenas têm o potencial de provocar revezes para o Brasil como já estão provocando.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista cita as recentes decisões da China de aumentar a importação de soja da Argentina e de comprar também da Tanzânia como uma estratégia para reduzir a dependência da soja brasileira, já pensando na possibilidade de as constantes tensões políticas provocadas em Brasília atrapalharem o fornecimento de matéria-prima para o mercado chinês.
"Também do ponto de vista da carne, ela tem investido para uma maciça produção de carne suína na Argentina, no norte da Argentina, com a construção de imensas fazendas de criação de porcos, de suínos. Então, na agropecuária, nós podemos esperar uma concorrência intensa com a soja brasileira e com a carne brasileira. E esses investimentos que poderiam ter vindo para a agropecuária brasileira se dirigem para outras regiões."
Além da agropecuária, Sobral aponta que Pequim também faz movimentos para fortalecer parcerias com outros países no setor industrial. E, muito provavelmente por conta dos sinais de instabilidade na relação bilateral enviados pelo governo brasileiro, o Brasil está sendo colocado um pouco de lado nessa nova onda de investimentos chineses.
Fora a China, preocupa também o futuro dos laços brasileiros com a União Europeia e com os Estados Unidos de Joe Biden, cuja vitória na eleição presidencial americana gerou incômodos visíveis em Brasília, a ponto de Bolsonaro ser o último a parabenizá-lo entre os líderes do G20.
No caso europeu, já há um boicote, como destaca o professor, à soja brasileira não certificada, que deve ser estendido também para a certificada, uma vez que a UE se prepara para adotar uma postura cada vez mais rígida em relação ao aumento do desmatamento no Brasil. No que diz respeito aos EUA, levando em conta as posições adotadas por Biden, a expectativa é a de que o governo americano promova grandes pressões políticas sobre a administração Bolsonaro para que esta possa se adequar às tendências de combate à degradação ambiental.
"O tema ambiental é um dos que mais afeta para a área da União Europeia e dos Estados Unidos. Então, é uma área significativa. Mas, para a China, o que mais afeta é a forma agressiva com que o governo Bolsonaro tem se inserido naquele país, naquele parceiro comercial."
Em resumo, de acordo com o especialista, o Brasil deverá sofrer com pressões internacionais a partir de dois motivos distintos:
"O da área ambiental, o outro por uma escolha ideológica do governo em parecer medieval ou então retornar aos tempos da Guerra Fria como se o Brasil pudesse ser um ator decisivo e determinante nas pressões sobre a China", avalia o economista.
Para uma economia que sofre com a desaceleração, o desemprego e com muitas incertezas, é relevante, segundo Sobral, não apenas o que o Brasil pode perder por suas escolhas equivocadas mas, principalmente, o que pode deixar de ganhar.
"Então, nós deixamos de ganhar investimento, mais adiante, nós deixaremos de ter acesso a mercados e, o pior, isso será, mesmo que o governo Bolsonaro saia, difícil de ser revertido no curto prazo."