O estado de calamidade pública em função da COVID-19, solicitado pelo Planalto e aprovado pelo Congresso em março, acaba nesta quinta-feira, 31 de dezembro, em meio a uma situação ainda preocupante no Brasil em relação à pandemia. Devido aos números ainda altos de novos casos e óbitos provocados pelo surto do novo coronavírus e à necessidade de medidas emergenciais de ajuda a famílias e empresas, governadores pedem que seja prorrogado esse estado de calamidade. Mas o apelo encontra resistência tanto no governo federal como no legislativo.
Esse decreto em questão permitiu que o governo federal gastasse mais do que o previsto e violasse as metas fiscais para financiar medidas de combate à pandemia, consideradas importantíssimas para o enfrentamento das dificuldades de diferentes tipos impostas pela COVID-19. No entanto, segundo o presidente Jair Bolsonaro, o Brasil já atingiu o seu limite de endividamento, motivo pelo qual não deveria haver uma prorrogação do estado de calamidade e de programas como o auxílio emergencial, por exemplo.
Para a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), dada a situação de grandes dificuldades em que o país se encontra, não há dúvidas de que o Brasil deveria manter o estado de calamidade em 2021. Mas, em entrevista à Sputnik Brasil, ela aponta outras razões para o governo "não querer fazer isso".
"O governo, ele já vem, ao longo do seu mandato, comprovando que não tem compromisso com a vida e, em especial, com a vida dos mais pobres. Portanto, é preciso, na política, entender qual é o compromisso do governo. Porque não existe vazio na política. Se não há um compromisso em um sentido, há compromisso no sentido oposto", afirma.
Esse sentido oposto, segundo a especialista, pode ser explicado pela aliança do presidente e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, com o capital estrangeiro, que implica, diretamente, em "esvaziar de poder" o Estado brasileiro e os estados da federação, inviabilizando o orçamento público e, por consequência, os serviços públicos.
"Com essa estratégia, ele consegue fazer com que o que restar de orçamento público, o que restar de recursos públicos, se destine única e exclusivamente ao compromisso de quitar dívidas com credores estrangeiros principalmente."
O regime de recuperação fiscal, que impõe uma lei de responsabilidade fiscal aos estados, é, em si, o verdadeiro "produtor da calamidade", na opinião de Gurgel. Por inviabilizar a manutenção de serviços e outros aspectos da vida da população.
"A gente poderia dizer que, se o governo, ao se negar a decretar, ou prorrogar ou renovar o decreto de estado de calamidade, o que ele faz, ao reivindicar uma lei como essa, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que ele faz é ainda mais contribuir para a produção dessa calamidade. Ele não combate a calamidade produzida, ao longo da história, no campo da saúde pública, que é o caso da COVID-19 — que é o resultado não de algo pontual na China, mas é resultado de um processo histórico, a ser investigado ainda —, e não combate também as calamidades no campo da assistência pública."