De acordo com um levantamento feito pelo portal UOL, gastos com publicidade no governo Jair Bolsonaro indicam uma intenção do presidente em reposicionar e repensar a imagem do Brasil no exterior. Segundo a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foram pagos R$ 27,7 milhões, em 2020, e R$ 11,7 milhões, em 2019, para "contrapor percepções equivocadas e descontextualizadas que, por vezes, surgem no cenário internacional".
Para compreender os efeitos dessa política, e também discutir como está a percepção internacional sobre o governo brasileiro, a Sputnik Brasil conversou com dois especialistas em relações internacionais, o professor Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), e Beatriz Pontes, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
"Não é por meio de propaganda que este quadro será revertido, mas, sim, por meio de uma diplomacia capaz de encontrar pragmatismo. É preciso reconhecer que o ambientalismo está além do espectro da divisão tradicional entre esquerda e direita. Enquanto isso não acontecer, não será preciso gastar rios de dinheiro com publicidade, a nossa imagem continuará sendo negativa. A mera publicidade não corrige erros diplomáticos", afirmou o Vinícius Guilherme.
Beatriz Pontes entende que a ampliação destas campanhas é uma estratégia para disfarçar uma pauta que o governo não tem dado conta, que é a ambiental. "Quando as políticas domésticas do Brasil estão de acordo com o que está sendo feito e pedido pela agenda internacional, o governo não precisa gastar com propaganda", disse ela.
"Os próprios feitos de um governo são, teoricamente, uma campanha positiva para o exterior. Só que resultado desta campanha, em geral, é muito negativo, porque produz um efeito contrário. Estamos passando um recado de que o Brasil mostra algo que não está sendo feito. Falta proatividade por parte do governo brasileiro para rever suas políticas ambientais, e publicidade não é o caminho", avaliou Beatriz.
Apesar de ambos especialistas possuírem um entendimento semelhante, os gastos do governo federal em 2019 e 2020 ficaram, respectivamente, 5.331% e 12.812% acima da média anual dos gastos da presidência de 2009 até 2018. Sob os governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, o Planalto gastou, no total, R$ 2,14 milhões com propaganda no exterior. Neste sentido, vale lembrar que Bolsonaro é um político considerado austero. A verba publicitária da própria Secom caiu de R$ 255,6 milhões, em 2018, para R$ 128,15 milhões, em 2020.
Questionado se há um preconceito midiático sobre a imagem do Brasil no exterior, o professor Vinícius Guilherme acredita que sim. "Fazendo uma crítica aos críticos do Bolsonaro, a gente tende a achar que todos os problemas do Brasil são culpa do presidente Bolsonaro, e não é assim. É difícil dissociar a imagem do Brasil das falas do seu chefe de estado. Mas o fato é que o Brasil, mesmo antes do Bolsonaro, já tinha uma imagem bastante negativa no exterior, até mesmo injusta em muitos aspectos".
"Na gestão ambiental, por exemplo, enfrentamos o lobby de países europeus, que pintam o diabo muito pior do que ele é. Isto é, temos uma legislação ambiental avançada, que se bem aplicada, está anos-luz da encontrada em alguns países desenvolvidos".
O professor sustenta que a maneira como turistas brasileiros são tratados no exterior, e o tipo de turismo feito no Brasil, de cunho sexual, inclusive com participação publicitária do governo, cujo lema - Visit and love us - pode ser interpretado pelo lado dos relacionamentos sexuais, diz muito sobre a imagem brasileira nos países desenvolvidos. Vinícius Guilherme não acredita que os gastos sejam desnecessários. Ele defende, porém, que a estratégia seja repensada.
"Nós temos o preconceito contra o Brasil, principalmente por parte da Europa, da China e da Índia. Portanto, ao invés de gastarmos com publicidade, poderíamos ter investido em diplomacia pública, que é quando se busca atingir um público formador de opinião. Deste modo, se tivéssemos um governo sério, poderíamos buscar atingir a opinião pública internacional, corrigindo essas distorções da nossa imagem, em países como Japão, Canadá, EUA, China, e até mesmo na Europa. Seria preciso fazer um trabalho diplomático, de relações públicas".
Beatriz Pontes avalia que o trabalho não tem funcionado, porque essas campanhas se tornam vazias. "Falta um trabalho real, uma agenda definida, com metas e planos, e com trabalho conjunto de diplomatas. Uma das evidências de que a campanha não deu certo é o ponto de tensão entre o acordo do Mercosul com a UE. A negociação apresentou diversos problemas principalmente porque o Brasil não se posicionou de modo proativo na defesa do meio ambiente".
Em 2020, a maior parte do que a presidência gastou com propaganda no exterior foi destinada à compra de espaço na Internet (R$ 12,1 milhões) e em mídia exterior digital (R$ 11,3 milhões), como são chamados os painéis com publicidade nas ruas. As televisões ficaram com uma fatia menor: R$ 4,2 milhões, divididos entre Bloomberg, CNN, BBC e o braço internacional da TV Record nos EUA e na Europa.
Vinícius Guilherme entende que "não é o valor que chama atenção. É a forma como o dinheiro foi gasto". Para ele, seria preciso fazer campanhas como a da ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), que investe em um trabalho de valorização dos produtos nacionais, apelando para o lado familiar deles. Por fim, ele concluiu e disse que "é preciso vender a imagem do nosso agronegócio, que está, de fato, preocupado com questões ambientais, principalmente com a imagem do Brasil no exterior".
"Isso tem um grande efeito positivo no mundo árabe. Portanto, é preciso fazer ações deste modo. Precisamos conversar com pessoas que leem as revistas que fazem parte da elite intelectual e financeira de cada continente. O que mais faria sentido seria um trabalho de relações públicas, de aproximação aos grandes veículos de imprensa", sustenta o professor.
Contatar oficiais "de alto nível" era uma das medidas adotadas pelo Itamaraty em resposta aos incêndios da Amazônia, conforme um ofício enviado em 2019 à presidência da República pelo secretário-geral das Relações Exteriores, Otávio Brandelli. O governo orientou todas as embaixadas brasileiras a "contestar informações falsas ou imprecisas" e agiu para difundir as posições brasileiras "por meio de ação intensiva nas mídias sociais".
Beatriz Pontes diz que é bom lembrar que a questão ambiental é apenas uma das temáticas que aparecem em evidência quando falamos da imagem do Brasil no exterior. Segundo ela, "podemos citar, como exemplo, a falta de envolvimento do Brasil na proteção aos direitos humanos. Somos o país que mais mata transexuais no mundo, e temos índices absurdos de violência contra a mulher. Isso é muito negativo para nossa imagem no exterior".