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Analista: Brasil deve mudar de atitude em relação à China não apenas por insumos

A crise de insumos chineses para a produção de vacinas contra a COVID-19 no Brasil acendeu um alerta para o governo brasileiro sobre a necessidade de mudar de atitude no que se refere à sua política externa, defende especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
Sputnik

Em meio a dificuldades que o Brasil está tendo para importar da China insumos necessários à produção de vacinas contra a COVID-19, atribuídas a uma possível reação de Pequim aos inúmeros constrangimentos provocados pelo governo brasileiro ao longo dos dois últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro negou que sua administração tenha minado relacionamentos e elogiou a atual política externa do país.

"O pessoal fala 'o Brasil precisa da China', mas a China também precisa da gente. Ou você acha que a China está comprando soja para jogar fora? Compra produto do campo para jogar fora? Compra porque precisa. La está chegando na casa de um bilhão e 400 milhões de habitantes e é uma população que cada vez mais se torna urbana. Agora, a relação entre países, qualquer país do mundo, existe interesse. Não existe amor. Qualquer país no mundo tem interesse, fazer negócio. E a China tem interesse no Brasil", disse o chefe de Estado brasileiro em live realizada na última quinta-feira (21). 

​Analistas acreditam que a China possa ter atrasado entregas de itens farmacêuticos ao Brasil, necessários à produção das vacinas CoronaVac e AstraZeneca, para forçar o governo brasileiro a mudar de postura nas suas relações com os chineses, frequentemente atacados por membros da equipe ou da família Bolsonaro. O presidente, no entanto, nega essa possibilidade, defendendo que a demora na entrega se deveria a obstáculos burocráticos.

"A questão da China, mesma coisa. Os números não mentem. Os números da nossa balança comercial, que nós vendemos, de 2019 foram maiores do que 2018. A de 2020 foi melhor do que a de 2019. Alguns querem que eu fale 'conversei com o Xi Jinping', mas eu não sou esse cara de falar e correr para imprensa, não vou, muita coisa é reservada." 

​Para o especialista em direito internacional Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), embora, de fato, seja verdade que a China precisa do Brasil, não há dúvidas de que, nessa relação, é o Brasil que precisa muito mais da China. 

Segundo ele, analisando os números da economia dos dois países e também do comércio bilateral, o que se vê claramente é que o Brasil é um país extremamente dependente de commodities. Enquanto a China, dada a pujança da sua economia, aparece como principal destino dessas commodities, quase 100% das importações brasileiras com origem na China são de produtos da indústria de transformação.

"Pelos dados, a China não precisa de nada mais além do que ela já vem comprando. Porém, ela dá sinais evidentes de que gostaria de ter com o Brasil uma relação de parceria de alto perfil em diversos outros setores. O da tecnologia é um deles. E há aí uma avenida de oportunidades que poderão ser exploradas pelo Brasil caso estabeleça com a China uma relação mais produtiva e de confiança", avalia o acadêmico em entrevista à Sputnik Brasil. 

A pauta de exportações do Brasil para a China poderia, de acordo com Carvalho, ser muito mais diversificada. Só não é, em seu entendimento, por falta de uma política econômica doméstica que estimule o empresariado a investir na indústria, em pesquisa e inovação, setores estratégicos para o desenvolvimento nacional.

"A China tem uma classe média crescente, tem adotado políticas de atração de investimentos, o mercado financeiro chinês passa por profundas transformações e o setor de serviços está em expansão. O Brasil parece não demonstrar nenhuma estratégia de relação com a China que possa tirar proveito dessa tendência do mercado chinês. Falta inteligência no Brasil e disposição política para uma pauta mais consentânea com o mundo pós-pandemia na relação com a China." 

​Levando em conta todas as repercussões dos últimos dias, a chamada crise das vacinas no Brasil foi um fator, segundo o professor, que acendeu um alerta para o governo brasileiro sobre a necessidade de mudança de atitudes, inclusive no que diz respeito às relações com os chineses. 

"Houve muitas agressões contra a China ao longo do ano passado, e por autoridades políticas ligadas ao governo ou ao presidente Bolsonaro. Atitudes relativamente sistemáticas, em uma diplomacia de hostilidade talvez inédita na história da diplomacia brasileira, que está irreconhecível. Não devemos mudar de atitude porque precisamos dos insumos para a vacina. Devemos mudar de atitude porque a nossa diplomacia precisa retomar o caminho do diálogo respeitoso, ecumênico e de resultados com a China."  

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