Enquanto diplomatas tentam reverter o imbróglio com a China para a liberação dos Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA), insumos essenciais para a produção de vacinas contra a COVID-19 no Brasil, especialistas acreditam que as dificuldades que o país vem enfrentando levarão o governo brasileiro a rever sua posição em relação à participação da empresa chinesa de tecnologia Huawei no leilão de frequências da rede 5G que ocorrerá neste ano.
Embora apenas as operadoras de telefonia participem do leilão, elas terão de contratar a compra de equipamentos para instalar as redes 5G, e a Huawei é a empresa líder no mundo em contratos com os países que lançaram o novo serviço.
Fontes da mídia afirmam que o governo deve baixar o tom contra a Huawei no 5G e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, revelou que o tema também esteve presente na pauta de uma conversa que manteve com o embaixador chinês no Brasil na última quarta-feira (20), para tratar dos insumos para as vacinas contra o novo coronavírus.
Vulnerabilidade do Brasil em relação à China
Até então refratário à participação da empresa da China e influenciado pelas pressões do ex-presidente dos EUA Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro agora está sinalizando que não vai se opor à presença da Huawei no leilão. Para o especialista em relações internacionais Alexandre Uehara, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Negócios Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP), o episódio demonstra a posição de extrema vulnerabilidade do governo brasileiro em relação à China, o seu principal parceiro comercial.
"Existe uma dependência importante do Brasil em relação a esses insumos [para produção de vacinas] e o grau de vulnerabilidade é total. O Brasil não tem como produzir, por mais que tenha preparado as instalações industriais para produzir as vacinas contra a COVID-19. Sem esses insumos, o Brasil não consegue avançar, não consegue ter as vacinas", avalia Uehara.
Apesar de Rodrigo Maia ter afirmado que o embaixador chinês não mencionou a existência de qualquer problema político entre os dois países como motivo para o atraso na exportação dos insumos para o Brasil, muitos especialistas consideram que Pequim estaria aproveitando a ocasião para retaliar o governo brasileiro pelos constantes ataques feitos pelo presidente Bolsonaro ao governo chinês, e por pessoas de seu entorno, como o seu filho Eduardo Bolsonaro.
Para Uehara, o fato de o Brasil depender totalmente da importação dos insumos chineses para a produção das vacinas dá ao governo chinês um instrumento importante na hora de negociar com o governo brasileiro, e Bolsonaro deverá então ter maior sensibilidade para flexibilizar o entendimento da participação da empresa chinesa Huawei na concorrência para a implementação do 5G no país.
Acusações de espionagem e influência da gestão Trump
Em novembro de 2020, Eduardo Bolsonaro causou mal-estar com o governo da China ao afirmar em uma postagem nas redes sociais que a tecnologia de 5G desenvolvida no país seria utilizada para espionagem. No dia, seguinte, o deputado apagou a postagem, o que não impediu que a embaixada da China protestasse através de nota oficial.
Além disso, chegou a ser especulado em dezembro do ano passado, conforme noticiou a Folha de São Paulo, que a ala ideológica do governo brasileiro, liderada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), estaria elaborando um decreto para proibir a participação da Huawei no leilão, o que foi negado pelo GSI.
O fato é que o governo Bolsonaro tinha um alinhamento ideológico com o governo do agora ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que adotou uma postura de hostilidade em relação à China durante todo o seu mandato.
A administração de Donald Trump chegou inclusive a fazer lobby direto nas operadoras contra a participação da empresa chinesa na rede 5G do Brasil, segundo a Folha de São Paulo. O governo brasileiro, por sua vez, evidenciou esse alinhamento ao manifestar apoio ao plano da gestão Trump que busca restringir o acesso de empresas do país asiático ao mercado mundial da rede 5G, conhecido como Clean Network.
Para Uehara, a saída de Trump da Casa Branca deixa Bolsonaro órfão nas relações internacionais, o que deve levar o Brasil a mudar um pouco a sua orientação de política externa e suas relações com a China. No entanto, ele não vê grandes mudanças em relação aos nomes que cercam Bolsonaro na condução de sua política externa.
"Bolsonaro parece ter grande apreço pelo chanceler Ernesto Araújo, então é provável que ele o mantenha, o que dificultará muito as relações com os EUA, agora com Joe Biden, e manterá as dificuldades com a China, [...] o que é muito ruim para o Brasil. Mas esperamos que haja bom senso e seja possível perceber uma alteração, senão nas pessoas, pelo menos nos rumos da política externa brasileira", conclui o professor de relações internacionais.
A rede 5G
A Sputnik Brasil também conversou com um especialista em comunicação de dados para entender melhor o que é a rede 5G e alguns aspectos técnicos da mesma, que vem provocando debates políticos acalorados no cenário internacional nos últimos anos.
O professor do Laboratório de Comunicação de Dados da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiz Cláudio Schara Magalhães, explica que o 5G "é a nova geração de telefonia celular, que usa novos canais, novas frequências de rádio, e promete uma capacidade muito maior para dados", cujo maior diferencial em relação às tecnologias anteriores é, além do aumento da capacidade, a possibilidade de ofertar "aplicações mais imersivas e mais dependentes de dados".
O especialista acredita que a implantação dessa rede no país é de extrema importância, pois "grande parte dos progressos que foram feitos em anos recentes aconteceu graças ao uso de redes de computação". Luiz Cláudio avalia que "não usar uma rede 5G significa que o país ficará atrasado em relação ao mundo e não terá acesso a essas novas tecnologias", mas ressalta que os desafios técnicos para a implantação da rede no país são grandes.
"Levando-se em conta apenas a questão tecnológica, as grandes cidades possivelmente teriam uma instalação muito rápida, em menos de um ano seria possível instalar a rede em Rio, São Paulo e outras grandes capitais, mas é possível que demore bastante tempo até que as comunidades do interior recebam tecnologia 5G, se ela chegar [...] pois, quanto mais banda você quer, menor é a célula, ou seja, é preciso instalar mais antenas, o que encarece a instalação", destaca Luiz Cláudio.