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Dois anos após Brumadinho, segurança de barragens no Brasil ainda preocupa, diz engenheiro

Em 25 de janeiro, a tragédia de Brumadinho completou dois anos. Para discutir a atual situação das famílias e das barragens de rejeitos no país, a Sputnik Brasil ouviu um dos moradores da região atingida pelo desastre e um engenheiro da Escola Politécnica da UFRJ especializado no tema.
Sputnik

No dia 25 de janeiro de 2019, o Brasil presenciou sua maior tragédia ambiental com o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. O desastre custou a vida de 270 pessoas, sendo que ainda há 11 desaparecidos na região. Thomas Nedson é morador de Betim, município da região de Brumadinho, e uma das dezenas de milhares de pessoas atingidas pelo desastre do rompimento da barragem de Córrego do Feijão.

"Desde aquele dia até hoje, o que nós passamos são dias terríveis, árduos, tendo que lutar por nossos direitos, direitos violados. Não podemos mais pescar por esporte, nadar no rio Paraopeba. Sou comerciante de uma família, que há mais de 30 anos trabalha no comércio e tem problemas hoje em dia devido ao crime de Brumadinho", conta o morador de Betim em entrevista à Sputnik Brasil, que acrescenta que as famílias de toda a bacia do rio Paraopeba enfrentam dificuldades financeiras decorrentes do desastre.

Os moradores da área sofrem diretamente com os efeitos da contaminação do rio Paraopeba. Com a poluição do rio pelos rejeitos despejados pelo rompimento da barragem, a distribuição de água se tornou uma obrigação da Vale por determinação judicial. Apesar disso, conforme publicou o portal G1, estima-se que apenas 40% das famílias na região têm regularidade no abastecimento de água.

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Thomas Nedson afirma que a Vale não tem cumprido suas obrigações na região para reparar os danos sociais, como a fornecimento de água. Além disso, cerca de 63% dos atingidos não têm atividade remunerada nas cidades de Betim, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas. Em todos esses municípios, a maior parte das pessoas teve redução de renda, após o desastre.

"A Vale não cumpre, nem com a água para beber, para os humanos, nem para os animais. A Vale não cumpre com nada, vem bloqueando os pagamentos e negando o direito da população atingida. Pessoas estão adoecendo, pessoas estão morrendo pouco a pouco. Sem cumprir [as obrigações], a única coisa que a Vale faz é renovar o crime todos os dias, ano após ano", afirma Nedson.

Em nota enviada à Sputnik Brasil, a mineradora Vale afirmou que mais de cem mil pessoas na região continuam recebendo auxílio financeiro pago pela empresa. O pagamento do auxílio foi determinado pela Justiça e se encerraria em junho, mas foi prorrogado por decisão judicial até o fim de 2021, devido à pandemia da COVID-19, e com redução de 50% a partir deste mês. A empresa também ressaltou na nota que envia caminhões-pipa para atender pessoas elegíveis da região afetada pela poluição do rio Paraopeba, o qual a Vale afirma já ter sinais de recuperação.

Avanços na legislação e segurança das barragens

Após o desastre de Brumadinho, a legislação sobre barragens no Brasil mudou. Para o engenheiro Marcos Barreto de Mendonça, especialista em Geotecnia e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), houve avanços significativos com relação à legislação para a construção de barragens como a de Córrego de Feijão. O engenheiro se refere, por exemplo, à proibição do modelo utilizado na construção da barragem pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2019, através da Resolução ANM nº 04/19. Esse modelo, o método de alteamento a montante, apoia os diques de contenção sobre o próprio rejeito depositado. Até 2019, segundo a ANM, o Brasil tinha 88 barragens do tipo a montante ou desconhecido.

Conforme aponta Mendonça, a escolha pelo modelo a montante por empresas como a Vale "era puramente econômica", por ser uma opção de menor custo, apesar de oferecer mais riscos. O mesmo modelo foi usado pela Samarco na barragem de Mariana, que se rompeu em 2015, deixando 19 mortos.

"Isso [o modelo a montante] é mais arriscado porque a gente tem menos informações, menos dados, a respeito do comportamento mecânico do rejeito. Porque, se eu estou colocando uma estrutura de barramento em cima do rejeito e eu tenho menos certeza sobre o comportamento daquele rejeito, essa é uma situação mais perigosa", afirma o engenheiro em entrevista à Sputnik Brasil.

A proibição de barragens a montante tornou-se lei em 2020, através da introdução da nova Política Nacional de Segurança das Barragens (PNSB), por meio da Lei 14.066/20. Pela legislação, todas as barragens a montante no Brasil deverão ser desativadas até fevereiro de 2022. Segundo publicou a ANM, em 2020, 90% das barragens a montante do país já tinham projetos de descaracterização, ou sejam de mudança do modelo.

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Apesar dos avanços, o engenheiro explica que problemas como os apresentados nas barragens a montante podem ocorrer em outros métodos de construção. Dessa forma, Mendonça alerta para a necessidade de fiscalização e monitoramento dos projetos.

"Ela [a legislação] aumenta a segurança, mas mesmo assim tem que ter uma fiscalização sobre os projetos, tem que ter uma pressão para aumentar a fiscalização dos projetos e o monitoramento das barragens. Antigamente esse monitoramento não tinha uma exigência tão grande assim, hoje em dia se exige", afirma.

O professor, que dá aula sobre barragens na Escola Politécnica da UFRJ, explica que até o desastre de Brumadinho, a fiscalização dos projetos desse tipo de construção não era suficiente e que esse é um ponto essencial para garantir a segurança das barragens.

"Toda barragem deveria ter um sistema de monitoramento com gente especializada acompanhando e tomando decisões de acordo com as informações que estão sendo obtidas de acordo com o monitoramento da barragem", diz. 

Para o professor, o nível de segurança melhorou em alguns aspectos desde Brumadinho, mas ainda não é possível dizer que de forma satisfatória.

"Essas empresas mineradoras tem que investir em monitoramento. Pelo menos, a lei está forçando a barra para melhorar. Então, eu acho que a segurança, hoje, é melhor do que há um tempo, mas isso não quer dizer que a gente tenha segurança satisfatória hoje", avalia.

'Lutaremos até poder voltar a viver e sonhar'

Thomas Nedson, uma das dezenas de milhares de pessoas atingidas pelo desastre em Brumadinho, explica que o objetivo dessas pessoas, hoje, é garantir seus direitos para que possam retomar suas vidas. Parte dessas pessoas hoje está organizada em movimentos sociais.

"As exigências dos atingidos, com o Movimento dos Atingidos por Barragens [MAB], é que nós tenhamos o nosso direito, o direito do [auxílio] emergencial, do programa de renda, que vai minimizar todos os problemas dos atingidos da bacia durante os cinco anos, até que tenhamos a reparação efetiva", diz o morador de Betim.

O MAB reivindica a aplicação do Programa Social de Direito à Renda, elaborado pelo movimento, que busca o pagamento de uma renda aos afetados pelo desastre de Brumadinho ao longo de cinco anos após a tragédia, dando continuidade ao auxílio financeiro pago pela Vale, que se encerra no final de 2021. Os valores, que buscam reparação pelos danos e reinício da vida dos afetados pelo desastre, são de um salário mínimo por adulto, meio salário mínimo por adolescente e um quarto de salário mínimo por criança.

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Nedson também garante que a luta dos atingidos pelo desastre continuará até que os direitos de todos sejam atendidos, e lembra dos que continuam desaparecidos dois anos após o desastre.

"Hoje, se completam dois anos, 11 joias debaixo da lama [os desaparecidos]. As pessoas em Brumadinho sofrendo, até Três Marias. E, assim, toda a bacia, jogada às traças da lama contaminada pelo crime da Vale. E continuamos lutando até que o último tenha a sua reparação e, assim, possamos voltar a viver e a sonhar", conclui.
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