Durante uma entrevista coletiva realizada nesta quinta-feira (28) na Casa Branca, a porta-voz Jen Psaki reconheceu a importância do Brasil no cenário internacional no que diz respeito às questões climáticas, uma sinalização de que o governo norte-americano tende a adotar um tom mais pragmático nas relações com o Brasil em relação à preservação do meio ambiente, questão esta que está no foco das tensões internacionais envolvendo o país desde a posse de Bolsonaro, cujo governo vem promovendo o desmonte das políticas ligadas ao tema.
"O Brasil será um parceiro fundamental sobre questões ligadas ao clima", disse Psaki durante a coletiva, na qual acrescentou que "o presidente Biden ainda não tem viagens internacionais programadas", após ser questionada se o chefe de Estado norte-americano tinha a intenção de se reunir com Bolsonaro para abordar essa questão.
Para o especialista em relações internacionais Alessandro Biazzi Couto, professor e pesquisador do CEFET-RJ, a questão central na agenda ambiental do novo governo norte-americano envolve as preocupações com os níveis de desmatamento na Amazônia, o que reflete uma mudança em comparação com o tom adotado na administração anterior, do ex-presidente Donald Trump, que tratava a temática ambiental como algo secundário e chegou a retirar o país do Acordo do Clima de Paris, uma decisão que foi revertida por Biden em seus primeiros atos de governo.
"O desmonte gradativo das políticas do Ministério do Meio Ambiente, a paralisação do Fundo Amazônia, com recursos principalmente de Noruega e Alemanha, e dos instrumentos de fiscalização ambiental no Brasil nos últimos anos, foram de preocupação secundária no governo de Donald Trump. No entanto, a tendência é que agora, com a administração democrata, a pressão pela adoção de medidas preventivas, de monitoramento e compromisso com a agenda mundial de enfrentamento às mudanças climáticas esteja vinculada às negociações comerciais com os EUA", avalia o especialista em entrevista à Sputnik Brasil.
Para Alessandro, essa mudança nas políticas ambientais de Washington pode fazer com que os próprios segmentos econômicos no Brasil, "interessados em manter espaço no mercado norte-americano", exerçam algum tipo de influência para que o governo Bolsonaro dê sinais de que pretende se comprometer com a proteção ambiental.
Sobre a possibilidade de se disponibilizar um fundo para a alocação de recursos para o combate ao desmatamento, a exemplo do que acontece com o Fundo Amazônia, o professor do CEFET-RJ acredita que poderia ser uma estratégia interessante em uma eventual negociação com os norte-americanos, mas que ainda é algo que está muito distante de se tornar operacional, "vide os obstáculos que o próprio governo federal colocou para a aplicação do Fundo Amazônia com recursos de países europeus".
Além disso, Alessandro lembra que, de uma forma geral, a cooperação internacional para temas de preservação do meio ambiente costuma ser bastante descentralizada e nem sempre perpassa os governos centrais.
"No caso da sociedade brasileira, ela envolve historicamente as iniciativas da sociedade civil, de ONGs e movimentos sociais que buscam internacionalizar suas ações, denúncias e iniciativas, contando com a solidariedade internacional, principalmente da União Europeia e de suas agências, que financiam projetos autônomos e com enfoque nas preocupações relacionadas ao desmatamento, à expansão da fronteira agrícola e aos impactos de megaprojetos de infraestrutura, principalmente nos biomas mais sensíveis", avalia.
Nesse sentido, o professor de relações internacionais acredita que, além das negociações diretas envolvendo os governos centrais dos dois países, poderá haver um impulso de iniciativas pontuais que os EUA e sua agência de fomento, a USAID, desenvolvem na cooperação com o Brasil, e também com outros países da região Amazônica, "retomando uma característica da política do segundo mandato de Barack Obama".
No entanto, segundo Alessandro, essas iniciativas são "centradas principalmente na conservação da biodiversidade, nos direitos das populações indígenas e em projetos que poderiam ser qualificados como de 'ambientalismo de mercado', como o mercado de carbono", que funcionam como meros "paliativos frente às demandas locais por direitos, justiça e reparações relacionadas às violações de direitos sociais e ambientais", e são projetos que não demandam grandes recursos financeiros e sempre envolvem a suspeita de "interesses geopolíticos vinculados ao controle de recursos de biodiversidade".