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Analistas apontam cansaço de indígenas de retirar invasores e política negacionista do governo

O presidente Jair Bolsonaro editou nesta segunda-feira (1º) Medida Provisória (MP) para restabelecer barreiras sanitárias protetivas contra a COVID-19 em áreas indígenas.
Sputnik

Segundo o governo, as barreiras sanitárias protetivas de áreas indígenas têm a finalidade de controlar o trânsito de pessoas e de mercadorias que se dirijam a essas localidades, como forma de evitar a propagação da pandemia. Caberá à Funai o planejamento dessas ações, segundo noticiado pela Agência Brasil.

A Sputnik Brasil conversou com a advogada Carolina Santana — assessora jurídica do OPI, Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato — que disse não se tratar de uma determinação de restabelecer as barreiras sanitárias, mas que a medida é apenas uma reedição de outra MP.

"O Supremo Tribunal Federal determinou que o governo instalasse essas barreiras. Então, de fato, essa decisão foi prolatada em julho de 2020 e desde então há uma tentativa de instalação delas. Algumas delas estão instaladas, outras não, o prazo que o ministro [Luís Roberto] Barroso concedeu era setembro e outubro de 2020. Então há um atraso muito grande. Mas essa Medida Provisória que foi reeditada ontem permite o pagamento de militares pela Funai para que participem de algumas barreiras sanitárias", explicou Carolina.

A advogada lembrou que as barreiras sanitárias são direcionadas às 33 terras onde há povos indígenas isolados e de recente contato.

Entidades e restabelecimento de barreiras sanitárias

Segundo a advogada, o OPI teve uma atuação conjunta com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib, entidades que representam os povos indígenas) em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — a chamada ADPF 709 julgada pelo ministro Barroso do STF — porque existe uma parte dessa ação judicial voltada diretamente para povos isolados.

"As barreiras são para as 33 áreas onde há a confirmação da presença dessas populações, e o observatório então tem atuado como uma espécie de assessoria para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil", disse Carolina.

Ela explicou que os povos indígenas isolados e de recente contato estão submetidos a uma vulnerabilidade sócio-epidemiológica muito maior do que qualquer outra pessoa da população brasileira por diversas razões.

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"É um conjunto de fatores, não só a vulnerabilidade epidemiológica, mas demográfica, territorial, sociocultural... Isso tudo está relacionado inclusive ao fato de que, por viverem isolados, eles não recebem vacinas. É preciso que se tenha maior cuidado com a saúde dessas populações, e isso passa pelo cuidado com o território. Então é importante que se pense na retirada de invasores nesse momento de epidemia, porque invasores podem ser vetores da COVID-19 e de outras doenças que podem ser fatais para essas populações", continuou Carolina.

Ela explicou que uma gripe pode ser muito mais grave para um indígena que vive isolado do que para qualquer outra pessoa. O OPI tem uma plataforma que está disponível na Internet que alerta onde estão os isolados, demonstrando o grau de vulnerabilidade do avanço da COVID-19 sobre essas populações.

O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, também em entrevista à Sputnik Brasil, lembrou que a iniciativa das barreiras sanitárias partiu primeiro dos próprios indígenas, no final de março de 2020 e se propagou por todo o Brasil. Depois o STF referendou a decisão cautelar sobre a ADPF 709 do ministro Barroso, e o governo foi obrigado a tocar a iniciativa.

Mas, de início, o Governo Federal, através da Funai, os municípios e os estados foram contra, inclusive com situações de conflito com a polícia, "que queria desmobilizar essas barreiras, criadas de início pelos próprios índios", lembrou Oliveira. 

Segundo ele, hoje a grande parte das áreas indígenas não têm essas barreiras, porque os indígenas cansaram de promovê-las por conta própria e por causa da falta de ajuda para mantê-las. 

Cimi e seu papel nas barreiras sanitárias

Oliveira explicou que o Cimi identificou logo quando a pandemia do novo coronavírus foi anunciada que as aldeias indígenas não estavam preparadas para enfrentar o desafio, devido a uma falta de política de saúde para os povos indígenas.

"O programa Mais Médicos tinha sido desarticulado, os médicos foram mandados embora e esses recursos humanos não foram repostos, portanto as aldeias estavam sem a devida proteção. Por isso tivemos a iniciativa de recomendar aos povos o fechamento de seus territórios, e inclusive retiramos nossos missionários das aldeias", lembrou o representante do Cimi.

Prontamente, as barreiras criadas pelos próprios indígenas começaram a ser montadas e foram importantes para que eles tivessem uma iniciativa para combater a chegada do vírus a suas aldeias. A atitude aliada à arrecadação de alimentos, produtos de higiene e de proteção pessoal foram as armas iniciais para que os povos se protegessem contra a doença, conforme explicou Oliveira.

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"Foi feito um verdadeiro mutirão para que os indígenas permanecessem em seus territórios e para que deles não abdicassem, que agissem também como elementos de proteção, pois existia iniciativas por parte de garimpeiros e madeireiros de aproveitar essa situação da pandemia para entrar nos territórios indígenas e explorá-los", advertiu o indigenista.

COVID-19 entre os indígenas

"A infecção pelo coronavírus e a morte de indígenas devido à COVID-19 ainda é bastante preocupante para os povos indígenas no Brasil, principalmente na região norte do estado do Amazonas, em Roraima, Rondônia, Mato Grosso. Esses locais são de difícil acesso e também não possuem estrutura para seu atendimento. É extremamente preocupante pois a COVID-19 já vitimou mais de 900 índios”, lamentou Oliveira.

Ele disse que com a chegada dessas novas variedades do vírus, com a transmissão mais rápida, é muito preocupante a situação, pois ela se agrava por causa da falta de diálogo do governo — principalmente da FUNAI e da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena — com os indígenas e com lideranças e comunidades.

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Segundo o Cimi, o Executivo não tem se mobilizado e quando o faz é para levar cloroquina, "um medicamento sem a comprovação científica para o combate do coronavírus", disse Oliveira.

"A tendência é aumentar o número de indígenas mortos, porque infelizmente a política negacionista do Governo Federal tem vitimado muitos indígenas e também a própria população brasileira", avaliou.

Perguntado sobre quem é o responsável por transmitir a doença aos indígenas, Oliveira declarou que os territórios são constantemente alvo de invasões por parte de garimpeiros, madeireiros e também de membros de igrejas neopentecostais: "Esses três elementos têm contribuído muito para a proliferação do vírus no interior das aldeias", denunciou.

"É fundamental a retirada dos invasores dos territórios indígenas, e um diálogo entre as organizações indígenas, as comunidades e os órgãos de governo responsáveis pela atuação no combate à pandemia... Também o reforço das barreiras sanitárias, para evitar o acesso a estas comunidades", finalizou Oliveira.
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