A Sputnik Brasil conversou com a cientista política Maria do Socorro Souza Braga, da Universidade Federal de São Carlos, que falou sobre as principais transformações na agenda política do Brasil para os próximos dois anos.
Analogamente, ela analisou de que forma as vitórias de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco fortalecem as posições de Bolsonaro, principalmente tendo em vista as eleições para presidente da República de 2022. Para ela, Bolsonaro pode chegar ao pleito presidencial com a "faca e o queijo na mão".
Em verdade, desde a noite de ontem (1º), os aliados do presidente (e também Jair Bolsonaro) não escondem o clima de festa após a divulgação do resultado das eleições para presidente da Câmara e do Senado. A estratégia para controlar a agenda política deu certo, e a avaliação da especialista ouvida pela Sputnik Brasil é de que "o governo conseguiu reunir liberais, conservadores e até mesmo a bancada ideológica do presidente".
A aliança 'bolsonarista'
"Em alguma medida, quando se faz o levantamento dos votos, seja do Centrão, seja de partidos menores, Bolsonaro levou muitos votos. Olhando essa eleição em 2022, Bolsonaro deixou para trás diversos partidos de centro-direita e mesmo do centro, como MDB e DEM. Na minha visão, há uma aliança da direita conservadora no Brasil", apontou a professora.
Para ela, "essa história do ACM Neto apoiando o Lira, e praticamente brigando no DEM, fazendo um racha no partido, isso aí é uma prova da aliança conservadora apoiando o Bolsonaro. Isso abre um caminho para 2022. É possível que os Democratas sejam vice do Bolsonaro em 2022. Esse apoio quebra diversos acordos que estavam sendo feitos, desde 2020, no próprio Congresso. Até 2022, claro que o cenário pode mudar, mas é provável que teremos uma aliança muito forte do Bolsonaro com os principais líderes da direta brasileira".
Uma oposição prejudicada
Questionada sobre a atuação da oposição, a entrevistada respondeu com uma pergunta retórica: "Quem seria essa oposição?". Para ela, seriam as forças que queriam se aglutinar ao redor do Baleia Rossi, ao menos no caso da Câmara. "Elas estavam juntas, a princípio, mas se dividiram".
"A divisão da oposição mostrou uma das fragilidades de nossa agenda, mas não é esse o principal ponto. Essa eleição evidenciou que a direita uniu esforços para retirar qualquer chance do PT voltar ao poder. Isso fragmentou a aliança. Essa é oposição que temos. Um bloco de poder fragmentado".
O Dória foi prejudicado?
Para além da derrota ululante do campo progressista, Maria do Socorro também entende que João Dória saiu enfraquecido na noite de ontem (1º).
"O Dória, a primeira vista, saiu como perdedor. O Dória apoiou o Bolsonaro em 2018. Mas eles brigaram, e a vacina expôs algumas diferenças entre os dois, e que o João Dória utilizou para atrair eleitorado. Com essa saída do Democratas do centro, a tendência é que tenhamos um 2022 com o Dória tendo que buscar outros partidos", afirmou.
Governador de São Paulo, João Dória ainda parabenizou o novo presidente do Senado, onde a disputa foi menos intensa. Rodrigo Pacheco teve apoio tanto do PT quanto do PSDB. Porém, Dória não comentou a derrota de Baleia Rossi, e tampouco felicitou Arthur Lira por sua vitória.
Para ela, "o DEM foi o partido, dentro da direita neoliberal, que mais cresceu. Agora, com essa aliança, o Bolsonaro sai muito mais fortalecido. O PSBD, apesar das conquistas em São Paulo, tanto na prefeitura quanto no governo do estado, terá que procurar outros espaço, e sai, sem dúvidas, como um grande perdedor", concluiu.
Agenda no Congresso Nacional
Para Maria do Socorro, "com a história da pandemia, o governo entregou muito pouco do que foi prometido, principalmente com Rodrigo Maia". Questionada sobre qual será a agenda legislativa do Brasil, ela não tem dúvidas de que serão as reformas. "A reforma tributária, com mais força, e a reforma fiscal, que pode também entrar em discussão". Ela relembrou que esses foram os compromissos do governo Bolsonaro, firmados junto ao ministro Paulo Guedes.
Apesar do sentimento efusivo da bancada neoliberal (e também reformista) no Congresso, resta saber se a agenda de reformas de Paulo Guedes é a mesma do Planalto, ou do Centrão, que efetivamente voltou ao comando do Congresso. Maria do Socorro entende que haverá pressão enorme da nova base ampla de apoio do presidente para que algum tipo de medida de proteção para os mais vulneráveis seja aprovada rapidamente.
Para ela, "o combate à COVID-19 deve ser pautado em primeiro lugar" para cobrir o buraco deixado no orçamento dos mais pobres com o fim do auxílio emergencial. Neste sentido, vale lembrar o pronunciamento oficial de Arthur Lira logo após a confirmação de sua vitória. "Precisamos urgentemente amparar os brasileiros que estão em desespero econômico", afirmou.
Ainda neste contexto, a professora fez outra importante observação. Para além da agenda econômica reformista, há outra pauta fortemente ligada aos conservadores, que é a pauta dos costumes.
Pauta de costumes
Para ela, "a pauta dos costumes é um assunto delicado para o governo". Se ele não a coloca em votação, "ele tende a perder o apoio dele, principalmente no seu eleitorado mais ideológico. O problema é que ela cria muitos conflitos, porque a maioria dos partidos do Centrão não são a favor. E aí talvez por isso seja mais difícil. A pressão de um setor do ligado à igreja evangélica pode ser grande. É preciso esperar".
Segundo Maria do Socorro, tudo "vai depender do cenário econômico, tudo depende da economia. A questão econômica, dentro deste cenário da pandemia, é fundamental. Se a economia avançar, as pautas ideológicas avançam".
"Nesse sentido, é preciso nos atentarmos para o trabalho do general Mourão, vice-presidente brasileiro, que lida com as questões ambientais no Brasil. É observar se ele conseguirá estabelecer um diálogo com o novo presidente dos EUA. Parece que a tendência vai ser de recuar as posições tomadas pelo Brasil nos últimos dois anos, principalmente ao longo da gestão de Donald Trump", sentenciou.
Saída para crise: privatizações podem resolver o problema?
Afundado em uma crise econômica, como a maioria dos países atingidos pela COVID-19, a entrevistada entende que uma das prioridades da Câmara e do Senado deve ser a implantação de políticas públicas para mitigar as consequências do desemprego e do fechamento da economia.
Para ela, "as privatizações não são uma saída para crise, principalmente nos setores que o governo fala em privatizar, como energia, petróleo, bancos, segmentos considerados estratégicos para um país".
"O Estado brasileiro tem maiores condições de continuar controlando esses setores. Eu não vejo que essa seja a melhor saída. Agora, é evidente que os dois presidentes recém-eleitos, Lira e Pacheco, têm interesse em apoiar essa pauta liberal do governo. E setores consideráveis da economia brasileira tem interesse nisso, então podemos esperar uma pressão sobre ambas as casas legislativas para tocar essa agenda", concluiu.