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Cientista político: 'Prioridades anunciadas pelo Senado e Câmara passam uma mensagem contraditória'

Após os resultados nas eleições do Legislativo, o centrão saiu satisfeito, e a base governista comemorou. Mas o que podemos esperar da agenda política para os próximos dois anos? Para cientista político ouvido pela Sputnik Brasil, falta de consenso pode ser um choque de realidade.
Sputnik

Desde a última segunda-feira (1º), quando foram eleitos os novos presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL), respectivamente, Brasília experimenta um sentimento de alívio e esperança para o governo federal. A sensação é de que as prometidas mudanças pelo presidente da República estão em vias de acontecer a qualquer momento.

Prova disso é que nesta quarta-feira (3), Pacheco e Lira apresentaram as medidas que consideram prioritárias para o país. De olho nas repercussões deste anúncio, a Sputnik Brasil conversou com o cientista político da PUC-Rio Mário Jorge Paiva, que falou sobre a agenda das casas legislativas do Brasil e o papel do presidente Bolsonaro neste processo.

Cientista político: 'Prioridades anunciadas pelo Senado e Câmara passam uma mensagem contraditória'

A Câmara e o Senado definiram como prioridades os seguintes temas: aprovação de um auxílio financeiro para a população pobre, maior agilidade na vacinação em massa contra a COVID-19, e reformas no Estado brasileiro. De acordo com uma reportagem publicada pelo Valor Econômico ainda nesta quarta-feira (3), o governo federal partilha dos princípios desta agenda, e incluí outras pautas, chamadas de agenda de costumes, como fundamentais para o próximo biênio.

Para Mário Jorge Paiva, apesar da aliança formada em torno um projeto para o Brasil, "o governo é formado por vários grupos, e grupos que às vezes não têm uma coerência interna, que estão disputando entre si, com objetivos diferentes. Termina que eles passam à população uma falta de consenso interno. Nós temos pautas muito importantes e sérias sobre a nossa economia, que não está bem com o Paulo Guedes, mas, do outro lado, há também um campo de disputa e embate político que já está pensando para próxima eleição, que já está pensando nas derrotas da última eleição que o Bolsonaro teve".

Pobreza, crise e auxílio emergencial​

Com o devido tom de necessidade e urgência, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco declararam que avaliarão a liberação do pagamento do auxílio emergencial em um novo formato, respeitando  o teto de gastos públicos. Em declaração conjunta, o deputado e o senador afirmaram haver necessidade da retomada de um programa de renda social durante a pandemia no país.

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O especialista em política nacional ouvido pela Sputnik Brasil aponta que "há muitos interesses nestes conflitos na grande base do presidente no parlamento, e é preciso ver quem ganha a queda de braço". Segundo ele, por questões da política, o auxílio emergencial "vai ser uma pauta prioritária para muita gente. Para conseguir uma força, um fôlego, nas eleições presidenciais que devem acontecer em breve".

PEC dos Fundos Públicos

A questão envolvendo o retorno do auxílio emergencial apresenta uma dificuldade óbvia: a falta de dinheiro e a crise econômica mundial e seus reflexos no Brasil. Para os presidentes do poder Legislativo do Brasil, as aprovações da reforma administrativa e da PEC dos Fundos Públicos são fundamentais para viabilizar o auxílio e a retomada econômica.

​No documento que leram nesta manhã (3), Pacheco e Lira reforçaram que pretendem encontrar maneiras de auxiliar financeiramente os setores pobres da população, que ainda sofrem com efeitos econômicos da pandemia. Para o economista da Unicamp Guilherme Melo, também ouvido por esta reportagem, a equação envolvendo auxílio emergencial e a PEC dos Fundos Públicos é um pouco mais delicada.

Segundo ele, "essa PEC parte de um princípio que deveria ter sido superado: de que o governo não tem como aumentar seu endividamento ou negociar sua dívida. Portanto, partindo desse princípio, ele precisaria encontrar recursos para abater essa dívida". Guilherme Melo enfatizou que isso foi muito debatido em 2019, quando diziam que o Brasil havia quebrado (fala que o presidente Bolsonaro reproduziu), ou que não havia mais dinheiro.

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"Só que em 2020 esse discurso se mostrou falso. Tivemos emissão de moeda e dívida pública, e teve a queda juros. Com esse cenário, não se teve um problema com o financiamento do Estado. O custo da dívida pública é um dos menores da história. Então, tudo aquilo que se falava que ia acontecer, não aconteceu. O argumento mais forte para justificar a PEC, ele sumiu", disse o entrevistado.

Guilherme explicou as intenções do governo. "A ideia da PEC é usar recursos que estão veiculados a algum fundo (arte, educação, ciência, cultura) e que estejam contingenciados. A PEC quer extinguir esses fundos e alocar esse dinheiro para abater dívida pública, ou mesmo investir em um possível auxílio aos mais pobres".

Vale lembrar que, para esta PEC, é esperado um impacto direto na economia, ao contrário do que aconteceria com uma reforma, que demandaria mais tempo para seus efeitos serem observados. Por esta razão, a PEC pode entrar em votação no Congresso nos próximos meses, ou mesmo semanas.

Vacinação em massa no Brasil

Para Mário Jorge Paiva, a questão do auxílio, assim como a da vacinação, são oportunidades eleitorais que os presidentes do Legislativo não poderiam deixar passar.

"Eu acredito que os deputados pensam na próxima eleição porque essa é a mentalidade dos políticos, eles têm que fazer isso. Agora, é preciso ver a conjuntura. Não é só a a última derrota do Bolsonaro nas eleições municipais, como também a derrota do Trump, que mostra um desgaste nessa nova direita internacional 'altright' (direita alternativa)".

Segundo ele, "acho que eles estão certos em pensar nas próximas eleições, e como o Bolsonaro vai conseguir angariar força no centrão para evitar que pautas contrárias às que ele quer avancem". Questionado se o Congresso poderia "roubar" o protagonismo do governo federal na luta contra a COVID-19, Mário Paiva fez elogios ao modo de trabalho do presidente da República diante da questão de vacinação no Brasil.

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"A minha opinião é de que o Bolsonaro neste aspecto é muito esperto. Como um bom político, ele sabe alterar seu discurso ao longo do tempo. Na medida em que nosso problema pandêmico foi ficando mais óbvio, o discurso dele continuou bastante radical e duro. Mas, se ele conseguir aos poucos ir mudando essa visão da sociedade de que ele é meio negacionanista, e aos poucos mesmo, ir se aliando e apoiando a vacinação, quando chegar em 2022, quando a população tiver esquecido a cloroquina, a gripezinha, vai ser bom politicamente para ele", afirmou.

Ainda de acordo com Mário Paiva, o governo "passa mensagem contraditórias visando agradar grupos diferentes. Para um certo grupo, ele apoia a vacinação. Para outro, ele mantém o aspecto mais ideológico. No último livro do Da Empoli, Engenheiros do Caos, o autor fala como presidentes nessa Era de Twitter, ou mesmo Facebook, eles não precisam ter um discurso coeso. Eles podem dizer diferentes coisas para alcançar diferentes públicos".

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Pauta dos costumes

Ainda tratando dos diferentes públicos que apoiam o presidente Bolsonaro, Mário Paiva fez uma observação. "O presidente fala muito nas pautas ideológicas, envolvendo família, conservadorismo de costumes, mas isso pode servir para desviar atenção das outras pautas que, do ponto de vista estrutural e econômico, talvez sejam mais importantes. Talvez isso possa ser um fogo de palha para tirar nosso foco do que está acontecendo".

​Segundo o cientista político, a agenda dos costumes pode servir para desviar o foco de outra agenda mais complicada, que é a de reformas.

Reformas, Paulo Guedes e as eleições de 2022

Neste sentido, o especialista é reticente com relação às promessas de aprovação de reformas. Ele indica "que talvez a pauta principal nem sejam as reformas, vai continuar sendo a questão da COVID-19 por algum tempo e a boa ou má administração do governo quanto a isso".

Segundo ele, "as coisas acontecem, não só no Brasil, de maneira muito lenta. O Michel Temer foi sedimentando um caminho que o governo progressista da Dilma, do PT, jamais iria fazer. Essa questão das reformas é difícil de prever. E eu não acho que a pauta central do Bolsonaro sejam as reformas. É preciso ver a situação econômica, e o que o Paulo Guedes pensa disso", afirmou.

Cientista político: 'Prioridades anunciadas pelo Senado e Câmara passam uma mensagem contraditória'
O entrevistado alertou para o caso da reforma se tornar impopular e gerar um problema para candidatos em 2022 que a defenderam no passado. "Eu não sei se há interesse político em fazer essas pautas antipopulares andarem, principalmente se eles não conseguirem vender bem o peixe".

Para justificar sua análise, Mário Paiva recorreu à história do Brasil. Segundo ele, "gente falando em reformismo e liberalismo no Brasil é uma coisa que, se a gente olhar para a nossa história, é muito comum, desde o Império. Uma coisa é o discurso, e outra são as limitações reais de se implantar valores e ideias liberais no Brasil". 

"O liberalismo, enquanto ideia, tem ganhado mais força com esses movimentos recentes, tipo menos Marx [Karl Marx], mais Mises [Ludwig von Mises]. Mas passar da teoria para prática é muito difícil no caso brasileiro, que sempre teve um estado historicamente muito grande, muito interventor. É preciso ver se há espaço para grandes reformas", sentenciou.

Por fim, ele ainda disse que é preciso ter cuidado com essa agenda reformista. "Privatizar empresa no Brasil não é algo que a população abrace com muito entusiasmo. Mesmo a nossa direita gosta de estado grande. Na minha leitura, falar em reforma é necessidade, mas é preciso tomar cuidado com esse discurso, que pode ser impopular. Vender os Correios... A Petrobras... Para ser eleitoral, é preciso saber como vender essas reformas e convencer a população".

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