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'Pobreza extrema pode ser ainda maior do que a verificada antes da pandemia', diz economista

Após o fim do auxílio emergencial, cerca de dois milhões de brasileiros foram levados para a pobreza apenas no mês de janeiro de 2021, o que representa ao todo 13% da população do país.
Sputnik

Durante o pagamento do benefício, a taxa de pobreza chegou a recuar para 8% da população, e a da extrema pobreza — brasileiros com renda per capita abaixo de R$ 150 ao mês — caiu de 3% para 1%. Foram os menores patamares registrados pelo Brasil desde a década de 1970, quando as pesquisas domiciliares começaram a ser realizadas. A informação foi veiculada pelo portal G1.

Para uma avaliação do tema, a Sputnik Brasil conversou com Marina Sanches, doutoranda em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista do Made, o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades.

"Estamos em um cenário de queda brusca do rendimento das famílias, uma das maiores crises já enfrentadas pelo país. É uma crise econômica, não apenas sanitária [...] O fim do auxílio emergencial já apresenta preocupações para os economistas. Há uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas que aponta que a pobreza extrema pode ser ainda maior do que a verificada antes da pandemia de COVID-19 em razão do auxílio emergencial", declarou a economista.

Segundo ela, isso significa 3,4 milhões de brasileiros a mais ingressando na extrema pobreza, segundo a definição do Banco Mundial (BM): pessoas sobrevivendo com menos de US$ 1,90 (R$ 10,20) por dia. O número total de brasileiros seria portanto da casa de 17,3 milhões em 2021 dentro dessa faixa, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE.

"Esse é o pior patamar desde o início da pesquisa desde 2012", diz Marina. "O auxílio emergencial teve um efeito estabilizador muito importante, nós estimamos que o PIB poderia ter caído de 8,4% a pouco mais de 14% se não fosse a ajuda".

Endividamento público e crise fiscal

Com o Brasil enfrentando uma severa crise fiscal desde 2014, manter o pagamento do auxílio emergencial passou a ser uma conta difícil de ser fechada pela equipe econômica. Nas últimas semanas, o debate pela volta do benefício ganhou força com a piora dos números da pandemia.

No ano passado, com todas as medidas adotadas pelo Governo Federal, a dívida bruta alcançou 89,3% do Produto Interno Bruto (PIB), uma alta de 15 pontos percentuais em relação a 2019.

'Pobreza extrema pode ser ainda maior do que a verificada antes da pandemia', diz economista

Mas Marina diz que não vê contradição entre o gasto com o benefício do auxílio emergencial e a estabilidade das contas públicas.

"O efeito multiplicador, cada real que o Estado gasta tem impacto total no PIB de mais de um real [...] Parte da renda adicionada às famílias é consumida e gera estímulo à produção, portanto estimula empresas, estimula as vendas", explicou.

O nível do endividamento brasileiro é considerado elevado para um país em desenvolvimento. Na média, as economias similares à brasileira têm um patamar de dívida próximo a 65% do PIB. O tamanho da dívida bruta é um indicador analisado por investidores e pelas agências de classificação de risco internacionais.

Ponto de equilíbrio

Para Marina, o teto de gastos do Governo Federal teria que ser revisto devido ao momento vivido pelo país, reflexo da pandemia do novo coronavírus.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, ressaltou que a recriação do auxílio deverá ter previsões de recursos no Orçamento, com o remanejamento de outras despesas e a ativação do estado de calamidade, conforme publicado pela Agência Brasil.

"É possível. Nós temos como orçamentar isso, desde que seja dentro de um novo marco fiscal. Se o Congresso aciona o estado de calamidade, temos condição de reagir rapidamente. Mas é muito importante que seja dentro de um quadro de recuperação das finanças. Estamos preparados para fazer as coisas dentro das proporções", declarou Guedes.
'Pobreza extrema pode ser ainda maior do que a verificada antes da pandemia', diz economista

Marina diz que é preciso repensar a regra do teto de gastos e outros mecanismos de financiamento, pensar em uma reforma tributária mais justa, mais progressista, como por exemplo no caso do imposto de renda, onde a tributação do capital é pequena e a do trabalho é fortemente tributada.

"Temos que pensar em soluções também do lado da receita, não só dos gastos", avaliou a economista.

Aumento do número de pobres

Segundo estudo da FGV citado por Marina, a desigualdade social deve aumentar em cerca de 10% com o fim do auxílio emergencial. A renda da população em novembro do ano passado chegou a ser 5,8% maior que em maio, mostrando a importância dessa injeção de recursos nas camadas mais pobres.

"Segundo o estudo, com o fim do auxílio a pobreza extrema pode ser maior que a verificada pré-pandemia. Em um país de desigualdades muito pronunciadas como o nosso, o auxílio realmente representou uma renda muito importante para estabilizar o orçamento das famílias e consequentemente para atenuar a pobreza", finalizou Marina.
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