Em alguns países como os Estados Unidos, a Rússia e o Canadá, o serviço postal está nas mãos do Estado, enquanto países como Argentina, Portugal e Alemanha quebraram a exclusividade estatal no serviço. No Brasil, o monopólio postal segue nas mãos dos Correios, mas é objeto de discussão em meio às intenções do governo federal de privatizar a empresa.
A discussão está no STF. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF) 70 foi levada ao Supremo pelo Sindicato Nacional das Empresas de Encomendas Expressas, ainda em 2005. Para o grupo, o monopólio postal dos Correios, definido na Lei 6538/78, é inconstitucional.
Segundo a ação, a exclusividade fere princípios de livre iniciativa e livre concorrência do Estado brasileiro. O julgamento da questão estava marcado para a quarta-feira (10), mas foi retirado da pauta pelo presidente do STF, Luiz Fux, e não tem previsão para ser incluído na ordem do dia novamente.
Não é a primeira vez que esse tipo de ação é julgada no STF. Em 2009, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (ABRAED), através da ADPF 46, reclamou o direito de empresas privadas realizarem entregas de encomendas no país. À época, a questão foi acatada pelo Supremo, que manteve o monopólio do serviço postal nas mãos dos Correios por seis votos a quatro.
Dos seis ministros que votaram contra a quebra total do monopólio, apenas Cármen Lúcia permanece na Corte. Já entre os quatro ministros que votaram a favor do fim completo do monopólio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o relator, Marco Aurélio, continuam no Supremo.
A questão segue envolta em polêmicas e ambos os lados interessados apontam questões constitucionais em seus argumentos em torno do monopólio postal dos Correios. Para compreender a discussão, a Sputnik Brasil ouviu os dois lados.
Quebra de monopólio encaminha privatização e fere a Constituição, diz sindicalista
Para Douglas Melo, diretor do Sindicato dos Correios de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba, a discussão sobre quebra de monopólio dos Correios costuma ser mal feita. O funcionário dos Correios recorda que a exclusividade postal abrange apenas cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e malotes. No caso das encomendas, já funciona a ampla concorrência, conforme a decisão do próprio STF.
"Hoje, o que gera dividendos para a empresa é o serviço que não faz parte do monopólio, que é a área de encomendas", aponta o sindicalista em entrevista à Sputnik Brasil.
"Ao longo dos anos, com a questão da informática, dos aplicativos, as pessoas vêm buscando através do smartphone resolver todos os tipos de problemas, o telegrama foi deixado de lado e as cartas foram reduzindo", diz.
Mesmo diante da perda de relevância econômica com o passar do tempo, a quebra do monopólio significaria uma perda de direitos da população, defende o sindicalista Douglas Melo, que diz que países como Portugal tiveram problemas após a privatização do serviço.
"A questão da manutenção do monopólio é importante para poder manter o serviço postal - o serviço constitucional né, o serviço postal é constitucional em todos os municicípios. A partir do momento que eu quebro o monopólio da empresa, eu abro o precedente para que a empresa deixe de atender alguns municípios", afirma o sindicalista.
Douglas Melo acredita que com a quebra do monopólio postal empresas privadas teriam pouco interesse de atender regiões distantes dos grandes centros urbanos, pois o serviço nesses locais é pouco lucrativo. Segundo ele, essas empresas não atendam nem 10% dos municípios do país, mesmo em ritmo de expansão, enquanto os Correios atuam em todo o território nacional.
"Então, a primeira coisa que iria acontecer é que a própria população vai ficar afetada sem esse serviço postal que não vai estar sendo prestado de forma adequada em todos os municípios", diz.
Para Douglas Melo, a quebra de monopólio é um passo no processo de privatização da empresa, almejado pelo governo federal. Em mais de uma oportunidade, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) listou os Correios como uma das empresas públicas que pretende privatizar, ao lado, por exemplo, da Eletrobras.
"A quebra do monopólio, consequentemente vai acabar com a obrigatoriedade da empresa estar atuando em todos os municípios, ela vai ser enxugada e facilitar o processo de privatização, que já está ocorrendo", afirma o sindicalista, que recorda que os Correios já trabalham com funcionários terceirizados e têm em curso um Plano de Demissão Voluntária (PDI). Para ele, a quebra de monopólio também deve precarizar o trabalho dentro da empresa, outra forma de incentivar a privatização.
Defensores da ADPF apontam que monopólio é inconstitucional
Para os autores da ADPF 70, é o monopólio postal dos Correios que fere preceitos constitucionais por atentar contra o princípio fundamental da livre iniciativa. É o que aponta o advogado Eduardo Molan Gaban, que representa o Sindicato Nacional das Empresas de Encomendas Expressas diante do STF. Segundo ele, a Constituição brasileira não inclui exceções que excluam o serviço monopolizado pelos Correios do princípio de livre iniciativa.
"As regras gerais, sempre que possuem exceções, devem contar com exceções expressas no texto constitucional. E a regra geral de mercado no Brasil é a livre iniciativa", afirma Gaban em entrevista à Sputnik Brasil, que aponta que os artigos 177 e 175 do texto constitucional não excluem os serviços dos Correios do princípio.
"Primeiro que [o serviço postal] compete à União - de fato está no artigo 21, inciso dez da Constituição Federal -, tal como também compete à União prover educação e prover saúde, só que nem na educação, nem na saúde ela o faz em regime de monopólio", argumenta.
O advogado acredita que a "gestão política" dos Correios prejudica os serviços prestados e não concorda que o fim do monopólio postal trará prejuízo à universalização desses mesmos serviços. Gaban aponta que a decisão do STF, em 2009, garantindo o monopólio postal aos Correios, já não tem a mesma possibilidade de sustentação hoje.
"Ficou evidente que não é a manutenção de uma reserva legal ou a ausência de competição que vai fazer os Correios sobreviverem. Pelo contrário, é desejável isso [a quebra do monopólio], que foi demonstrado em várias jurisdições", aponta o advogado, citando o caso dos países da União Europeia onde o serviço postal não é monopolizado.
Segundo Gaban, o STF tem "todos os elementos" para analisar a questão atualmente e mudar a própria orientação.
"Tenho muita convicção de que os ministros vão se sensibilizar sim pelos argumentos de fato, argumentos econômicos e empíricos, e encaminhar esse tema para o melhor destino para a sociedade brasileira", conclui.
A Sputnik Brasil tentou contato com outros dois interessados na questão apontados pelo site do STF, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (ABRAED) e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares (FENTECT), mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.