O impeachment, como ferramenta de punição do presidente dos EUA, perdeu seu valor, afirmam especialistas entrevistados pela Sputnik, depois do falhanço da segunda tentativa de impugnar Donald Trump, iniciada em janeiro de 2021.
Embora David Schultz, professor de ciências políticas da Universidade de Minnesota, EUA, acredite que o ex-presidente merecia uma condenação, ele também referiu que a forma como o impeachment foi feito prejudicou-o como instrumento legal e o tornou apenas no início do ciclo eleitoral para as próximas eleições intermediárias do Congresso de 2022.
"O julgamento foi um verdadeiro teatro político [...] Não havia chances de os republicanos no Senado chegarem a uma condenação em qualquer circunstância, mas a pressa sem a construção de um caso jurídico e constitucional sólido não ajudou", disse o especialista à Sputnik.
Na opinião dele, a acusação se concentrou na componente emocional para agradar a seus eleitores. Dado que ficou claro de antemão que os republicanos no Senado não apoiariam o impeachment, a pressa de impugnar Trump tornou o processo inútil, sublinhou Schultz.
"[...] O que é então um crime que justifique impugnação, que seja suficientemente grave para uma condenação e possível destituição do presidente em exercício? Como resultado deste impeachment fracassado, esse instrumento de controle e punição por abuso do poder presidencial pode ser considerado morto", declarou.
"Não apresente acusações contra alguém, a menos que você tenha boas razões para acreditar que levará o processo a um veredicto", recomendou o especialista norte-americano.
Processo político e não legal
James Gardner, professor de Ciência Política na Escola de Direito da Universidade de Buffalo, EUA, explicou, por sua vez, que não se trata propriamente de um julgamento, em que um cidadão é julgado pelo Estado, com o direito de chamar testemunhas, contrainterrogar testemunhas de acusação e a necessidade de a acusação ser provada sem deixar qualquer dúvida, e comparou o impeachment ao processo de voto de desconfiança nos sistemas parlamentaristas.
"Nenhuma destas condições se aplica ao impeachment. Apesar do que os republicanos têm dito, este é um procedimento puramente político, não um procedimento legal. Não é um processo de um Estado forte contra um indivíduo indefeso, mas de um ramo do Estado contra outro", disse Gardner.
O acadêmico opina que os republicanos conseguiram mudar a percepção dos procedimentos do impeachment na mente do público criando uma analogia a um tribunal regular.
"O que eles conseguiram fazer foi transformar o impeachment em uma ferramenta completamente inútil, que nunca mais desempenhará um papel na punição de um presidente. Como consequência, no âmbito da Constituição [dos EUA] acaba por não restar absolutamente nenhuma maneira de reagir aos delitos do presidente enquanto os membros de seu partido tiverem mais de um terço dos assentos em qualquer das casas do Congresso", concluiu.
O processo do segundo impeachment de Donald Trump começou em 13 de janeiro de 2021 e foi concluído em 13 de fevereiro, já depois da posse de seu sucessor Joe Biden, com 57 votos a favor e 43 votos contra, o que foi insuficiente para obter os dois terços necessários para condenar um presidente dos EUA. O primeiro impeachment decorreu entre 18 de dezembro de 2019 e 5 de fevereiro de 2020.
Ambas as condenações foram promulgadas na Casa dos Representantes, dominada pelos democratas, mas foram rechaçadas no Senado, apesar de uma ligeira maioria do Partido Democrata existente durante o segundo impeachment.