A declaração foi feita em entrevista à Folha, publicada nesta terça-feira (23). O médico hematologista criticou também o uso de dinheiro público em medicamentos sem eficácia comprovada contra a COVID-19.
"Nunca existiu, até então, uma interferência política tão extrema na questão da saúde pública ao ponto de certas autoridades negarem a importância das vacinas, negarem a própria pandemia. E nós vivemos muito tempo lutando contra isso, o próprio Ministério da Saúde investindo em caminhos alternativos que não levaram a nada a não ser o uso indevido de recursos públicos em tratamentos que não têm nenhuma finalidade. É uma situação absolutamente surreal a que vivemos na área da saúde pública e, infelizmente, explica por que o Brasil é vice-campeão em mortes pela COVID-19", disse Covas.
Segundo uma pesquisa do Datafolha de dezembro, 22% dos brasileiros afirmam que não pretendem tomar nenhuma vacina contra a COVID-19. Covas acredita, no entanto, que este sentimento de descrença em relação aos imunizantes não deve ser algo duradouro.
"Isso é o tipo de atitude que vai desaparecer rapidamente. À medida que as vacinas vão demonstrando a sua efetividade, os céticos vão ser impactados pela realidade", afirmou o médico.
Na mesma entrevista, Covas comentou diversos assuntos relacionadas à pandemia de COVID-19, inclusive a demora do governo federal em fechar contrato com o Butantan para a aquisição de vacinas. Segundo o diretor do Instituto, caso o Ministério da Saúde tivesse aceitado a oferta inicial da instituição, o Brasil poderia ter dado início à vacinação dias antes.
"Caso tivesse aceitado, poderíamos ter entregado as doses desde novembro de 2020, e o ministério não se mexeu nesse sentido. O contrato foi assinado tardiamente com o Butantan, então colocar a responsabilidade do atraso do PNI [Programa Nacional de Imunização] no Butantan me parece gratuito, mesmo porque a vacinação só começou porque o Butantan entregou as doses", disse o diretor do Butantan.
Covas criticou também a relutância do governo Bolsonaro em dar prioridade para uma vacina envasada por um instituto que é referência em produção de imunizantes, como é o Butantan. O diretor da instituição aproveitou para lembrar que a preferência dada à vacina de Oxford e às doses do COVAX até agora não tiveram o andamento esperado.
"Os dois maiores contratos que o Ministério da Saúde fez e inclusive já pagou foram o da Oxford/AstraZeneca e do COVAX, e até o momento as empresas não entregaram nenhuma dose da vacina", avaliou Covas, ressaltando que todas as vacinas de Oxford que o Brasil recebeu até o momento vieram da Índia. Nenhum lote foi produzido ainda pela Fiocruz.
Mesmo com relativo atraso, o governo federal acabou fechando acordo com o Butantan para a aquisição de 100 milhões de doses da CoronaVac. Até o momento, já foram entregues 9,8 milhões de doses de CoronaVac, a há previsão de entrega para mais 1,2 milhão ainda nesta terça-feira (23). Covas afirmou que a meta é que todas as 100 milhões de doses estejam prontas até agosto.
"Nós trabalhamos nesse momento com a previsão de entrega até agosto, com a possibilidade de adiamentos. Trabalhamos por isso pelo nosso compromisso com a população brasileira, pela importância da vacinação nesse momento e pelo fato de não termos mais problema de fornecimento de matéria-prima, que está chegando regularmente", declarou Covas.
Na matéria, Dimas Covas falou também sobre a ambição do Instituto Butantan de se tornar o maior produtor de vacinas da América Latina. Segundo ele, o objetivo maior da instituição é tentar diminuir a desigualdade global na aquisição de imunizantes.