Com cerca de 2,3 milhões de trabalhadores atuando no país, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares, a categoria representa a linha de frente no combate à pandemia do coronavírus e da campanha de vacinação.
A omissão das informações deixa o painel desenvolvido pelo conselho, o Observatório da Enfermagem, desatualizado. A falta de dados prejudica a formulação de políticas e práticas para melhorar o exercício da profissão no país, o que, consequentemente, também pode acabar piorando o serviço prestado à população durante uma pandemia que já matou mais de 250 mil brasileiros.
Segundo Eduardo Fernando Souza, coordenador do Comitê Gestor da Crise do Conselho Federal de Enfermagem (CGC/Cofen), a entidade sente muita falta de que municípios, estados e instituições de saúde comuniquem sobre os casos e mortes de coronavírus entre profissionais da área.
O problema também ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS), mas, de acordo com ele, é mais grave em hospitais da rede privada e organizações sociais que administram unidades de saúde, onde a direção das redes assediaria enfermeiros a não transmitirem os dados para o conselho.
"Tem muita instituição, principalmente privada, que está proibindo que os responsáveis técnicos informem ao Cofen a quantidade de profissionais contaminados e, principalmente, que morreram", disse Eduardo Fernando à Sputnik Brasil. "A plataforma depende de informação externa. Se um gestor fala: 'Não quero que informe que fulano morreu pela COVID-19 para não desmerecer o meu hospital', o pessoal acaba não informando", acrescentou.
122 mortes só em 2021
O painel da entidade registra 48.679 casos da COVID-19 entre enfermeiros até o dia 25 de fevereiro deste ano. O número de óbitos é de 591. Mesmo defasados, os dados preocupam. O ano de 2020 fechou com 469 óbitos, ou seja, em 2021, em menos de dois meses, 122 enfermeiros morreram devido ao coronavírus.
"Não tem como acompanhar o que ocorre em 5.570 municípios, fora a quantidade de unidades hospitalares. Seria humanamente impossível. Seria mais fácil os responsáveis técnicos, os gestores, se conscientizarem, para que todas as tomadas de decisão frente ao coronavírus, no que tange aos profissionais de saúde, fossem adotadas pelo conselho de maneira planejada", afirmou Eduardo Fernando.
Outras denúncias
Há também registro de outros tipos de problemas, como falta de equipamentos de proteção individual, reaproveitamento de material, diversas irregularidades trabalhistas, pressão para os profissionais não deixarem o trabalho, etc. Nestes casos, porém, os problemas ocorriam com mais frequência no início da pandemia.
Os enfermeiros responsáveis receberam ofício dos conselhos regionais com orientações para transmitirem os dados, o que é reforçado em visitas de integrantes das entidades. Mesmo assim, segundo fontes do setor, a omissão de informações ocorre em todo o país, por isso os números dos estados estão subnotificados no painel do conselho.
Espírito Santo
No Espírito Santo, por exemplo, há denúncias de que as direções de diversos hospitais pressionam os enfermeiros a não comunicarem os casos e mortes de COVID-19. A irregularidade ocorreria na Rede Meridional, que administra sete hospitais no estado, no Vitória Apart Hospital e no Hospital Evangélico de Vila Velha, gerido pela organização social Associação Evangélica Beneficente Espírito Santense (Aebes).
Por meio de nota enviada à Sputnik Brasil, a Rede Meridional disse que "repudia a denúncia de que a direção dos seus hospitais assedia os enfermeiros" em relação à transmissão de dados ao conselho.
O grupo afirmou ainda que "os fatos relatados não foram objetos de denúncias nos canais de comunicação nem no compliance da Rede Meridional, e que tem orientado e disponibilizado para todos os seus empregados" um manual sobre a COVID-19, com medidas de prevenção e controle baseadas em recomendações da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
"A Rede Meridional ratifica, assim, que trata com bastante seriedade a condução dos casos suspeitos e confirmados do novo coronavírus", disse o grupo.
Na mesma linha, o Hospital Evangélico de Vila Velha também diz repudiar a informação e reitera que nunca recebeu qualquer notificação referente ao tema. Também por meio de nota, a instituição diz que, desde o início da pandemia, implementou ações para garantir a saúde e a segurança de todos, incluindo pacientes e profissionais da unidade.
"Em alinhamento com as legislações estabelecidas pelas autoridades de saúde, o Hospital Evangélico de Vila Velha adota e segue, rigorosamente, todos os protocolos sanitários para assegurar a prevenção e combate ao novo coronavírus. Dentre as ações, está a realização de exames de diagnóstico, assim como a adoção de afastamento ao trabalho com o isolamento para os profissionais com suspeita ou confirmação de diagnóstico para COVID-19. O Serviço Especializado de Segurança do Trabalho e Medicina do Trabalho (SESMT) acompanha o estado de saúde dos empregados, garantindo que todos os protocolos sejam cumpridos."
Ainda de acordo com o hospital, todos os dados relacionados à COVID-19, sejam de pacientes ou profissionais de saúde, são monitorados através do Serviço de Controle de Infeção Hospitalar e pelo Serviço de Medicina do Trabalho, respectivamente.
"Desde o início da pandemia, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020, a Medicina do Trabalho informa mensalmente à direção o número de casos suspeitos e confirmados da doença, sendo encaminhados, posteriormente, aos órgãos competentes."
A Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), por sua vez, afirmou que não tem conhecimento de subnotificação de casos da COVID-19 entre enfermeiros.
Procurados pela reportagem da Sputnik Brasil, o Ministério da Saúde e o Vitória Apart Hospital não se pronunciaram até o momento.
'Proteger nossos profissionais'
O presidente do Conselho Federal de Enfermagem ressalta que o profissional não precisa se identificar para preencher os arquivos e comunicar as informações à entidade. Ele reclama que, muitas vezes, os casos e óbitos são identificados por meio das redes sociais.
"As instituições de saúde precisam ter mais comprometimento e responsabilidade civil, informando ao conselho de classe. Não queremos fiscalizar, queremos proteger nossos profissionais de saúde", disse Eduardo Fernando.