O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quarta-feira (3) o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano de 2020. Segundo os dados do instituto, a soma de tudo que foi produzido no país sofreu uma queda de 4,1%, a maior contração desde o início da série histórica atual iniciada em 1996, superando a queda de 3,5% registrada em 2015.
Diante dessa constatação de queda prevista ao longo do ano passado por diversos especialistas, os economistas aumentaram suas preocupações com o resultado do PIB brasileiro em 2021 por causa de diversos fatores, entre os quais se destacam o alastramento dos casos de COVID-19 no país, o impacto do primeiro ano da pandemia, o ritmo lento da vacinação contra a doença e outros fatores circunstanciais como, por exemplo, a recente intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras, determinando a substituição de seu atual presidente, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, o que se concretizará no próximo dia 20 de março.
Para Juliana Inhasz, economista, professora e coordenadora do Curso de Graduação em Economia do Insper, uma parte considerável do resultado do PIB de 2020 resulta deste momento que vivemos de pandemia na atualidade, pois ela obrigou as pessoas a fazerem o distanciamento social, o que fez com que elas deixassem de consumir coisas muito importantes e corriqueiras.
"[As pessoas] deixaram de comprar bens, de consumir serviços e, naturalmente, o fato de elas terem ficado mais em casa fez com que setores como o lazer, o turismo, e até mesmo os gastos em transportes se reduzissem. Enfim, temos uma configuração muito diferente, muito nova, que passa a existir neste momento de pandemia, que naturalmente se refletiu no Produto Interno Bruto brasileiro. A gente diminuiu a produção, também diminuímos o consumo e não podemos esquecer que muita gente ficou desempregada, muita gente perdeu a renda", comenta a especialista.
Juliana, no entanto, ressalta que o auxílio emergencial ajudou a aliviar um pouco a situação, mas que isso não impediu que a economia seguisse extremamente fragilizada, com empresas quebrando e os setores produtivos reduzindo o seu potencial. A professora do Insper enfatiza que o Brasil já não vinha bem antes da pandemia, pois o PIB cresceu muito pouco nos últimos três anos, e o país já entrou nessa pandemia em desvantagem, o que ajudou a exacerbar um problema fiscal cuja dificuldade de resolução sempre foi muito grande.
"A gente já estava fragilizado, a economia brasileira já tinha problemas, a gente [...] já tinha uma economia com um problema fiscal, uma economia que precisava de ajustes, uma economia que precisava de algumas intervenções [...] que conseguissem fazer com que o Brasil crescesse, que conseguissem fazer com que as expectativas melhorassem, com que os investidores percebessem que o Brasil é um mercado muito bom em potencial, e a gente não estava conseguindo fazer isso antes da pandemia", destaca.
Agronegócio: o principal motor do PIB
De acordo com o IBGE, o Produto Interno Bruto brasileiro chegou, em valores correntes, a R$ 7,4 bilhões em 2020, enquanto o PIB per capita por habitante ficou em R$ 35.172, o que representa uma queda de 4,8%, a maior registrada em 25 anos. Já entre os principais setores, houve crescimento somente na agropecuária, de 2%, enquanto indústria e serviços apresentaram quedas, respectivamente, de 3,5% e 4,5%. Do lado da demanda, o consumo das famílias despencou 5,5%, e os investimentos encolheram 0,8%.
Para Juliana, esses números revelam que o agronegócio é sim, na atualidade, o principal motor do crescimento econômico brasileiro. No entanto, a especialista ressalta que, durante muito tempo, o Brasil cresceu muito ancorado no setor de serviços, que, antes da pandemia, chegou a ser responsável por 70% da economia brasileira.
Hoje, contudo, o agronegócio passou a ser o principal motor da economia pelo fato de que, dentro de um momento de maior fragilidade, ele foi o único setor que de fato cresceu, enquanto os demais encolheram. Para Juliana, essa redução ficou evidente nesses setores porque "a pandemia impõe uma redução natural de demanda", já que as pessoas perderam renda e deixaram de consumir aquilo que não é essencial. Além disso, o setor de serviços sofre ainda mais por conta do distanciamento social, "que faz com que muitos serviços não aconteçam, ou aconteçam sob uma dificuldade muito grande, sob um custo muito grande, o que, muitas vezes, inviabiliza o próprio serviço", avalia.
Com o agronegócio, no entanto, a situação foi completamente diferente, pois o setor não parou. Segundo a especialista, isso se deve, primeiro, porque o distanciamento já acontece naturalmente, pois a maior parte da produção em larga escala no Brasil é, em boa parte, mecanizada, o que gera uma menor interação entre os trabalhadores. Além disso, Juliana destaca que o mercado Internacional passou a demandar muito mais o produto brasileiro, "porque as taxas de câmbio subiram a ponto de fazer com que o produto brasileiro ficasse extremamente competitivo fora do país", o que facilitou a inserção desses produtos.
Outro fator importante apontado por Juliana para o bom desempenho do setor agropecuário está no fato de que muitos países "reduziram a sua produção e começaram a demandar, cada vez mais, o produto brasileiro", o que naturalmente criou espaços para o mesmo, e também proporcionou um incentivo maior à produção.
Perspectivas de recuperação econômica
Para Juliana, é inegável que a recuperação da economia brasileira depende muito do plano de imunização que, no entanto, ainda acontece a passos extremamente lentos. Segundo a economista, "para que as pessoas voltem a circular, para que elas voltem a uma atividade econômica mais próxima do normal, é preciso que elas estejam minimamente protegidas do vírus, para que haja um crescimento da demanda e, consequentemente, da produção", e o país consiga voltar a crescer.
Contudo, a especialista ressalta que esse panorama ainda parece distante, pois o percentual da população que foi imunizada até o momento ainda segue muito baixo. Assim, Juliana acredita que a economia brasileira não voltará a crescer em 2021 como se imaginava.
"Existem projeções que apontam um crescimento de 3,5% o que eu, particularmente, acho extremamente otimista. Quando a gente olha o que está acontecendo no Brasil hoje, uma segunda onda muito mais forte do que a primeira, uma imunização extremamente lenta, é muito difícil acreditar que a gente vai conseguir virar a chave dessa economia, nem mudar completamente o perfil dessa economia em poucos meses", opina.
Além disso, a professora do Insper lembra que uma expansão de 3,5% após um ano de queda de 4,1% não é um grande crescimento. Na sua opinião, para que a economia possa prosperar em 2021, é necessário, além de uma política de imunização, pensar políticas econômicas que façam o pais voltar a crescer, o que, naturalmente, vai esbarrar em questões que são muito delicadas, como a reforma administrativa e a reforma tributária.
"A gente ainda tem muitas coisas para resolver, a gente ainda tem muitas pendências, o que começa a deixar cada vez mais distante esse sonho de ter o Brasil que a gente tinha há alguns anos de volta", avalia.
Juliana ressalta, no entanto, que o problema não se resume apenas à falta de medidas adotadas pelo governo federal no combate à pandemia, que insiste em minimizar os problemas causados pela mesma, mas também diz respeito ao próprio comportamento da sociedade brasileira, que se revela pouco preocupada ou pouco reativa às condições que estão se desenhando nos últimos tempos.
Já no que diz respeito aos principais desafios da economia brasileira em 2021, a especialista considera que, primeiro, é necessário controlar a pandemia para que o país consiga ter um cenário no qual seja possível prosseguir com a agenda de reformas, que, segundo ela, são fundamentais para o Brasil voltar a crescer de forma sustentável. No entanto, Juliana destaca que, por conta do enfrentamento da COVID-19, vai ficar muito difícil fazer grandes cortes de gastos e de repasses do governo federal para estados e municípios.
"Vai ficar muito difícil pensar em estruturas que onerem ainda mais o cidadão e as empresas, como por exemplo reformas tributárias que aumentem os impostos, e, ao mesmo tempo, o governo vai ter dificuldade em cortar gastos, porque a arrecadação caiu. Então esse é o grande desafio, é tentar entender como é que a gente consegue conciliar e, dentro de uma mesma conta, fazer com que a gente faça a lição de casa que é colocar o Brasil para crescer, olhando questões que para a gente são importantes, especialmente do ponto de vista do equilíbrio fiscal, como fazer a economia brasileira crescer no momento em que você não vai poder aumentar muito a dívida pública, que já aumentou demais, que não será possível aumentar muito os gastos e quando é preciso pensar no crescimento do curto, do médio e do longo prazos", conclui.