Nesta terça-feira (3), o professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo), Igor Istomin, desafiou o senso comum ao apresentar o resultado de sua mais recente pesquisa, apresentada no Clube Valdai de Discussões Internacionais, em Moscou.
Segundo ele, a conservadora Rússia deverá medir forças com um EUA cada vez mais revisionista na arena internacional.
Países revisionistas são aqueles que buscam modificar as normas internacionais, enquanto os conservadores querem manter a ordem internacional como está.
Os EUA teriam o interesse de modificar algumas regras básicas, como a soberania, não intervenção nos assuntos internos dos países e a primazia do Conselho de Segurança da ONU.
"Os EUA criticam ativamente as regras do jogo, que eles próprios ajudaram a criar", disse Istomin.
Segundo ele, o revisionismo norte-americano é normalmente associado ao ex-presidente do país, Donald Trump, que retirou Washington de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e do acordo nuclear iraniano.
"Mas os EUA vêm tentando mudar as regras do jogo desde muito antes de Trump", acredita Istomin. "Basta lembrarmos das intervenções militares norte-americanas sem o crivo do Conselho de Segurança da ONU."
Para ele, "moldar as normas internacionais para que elas atendam ao seu próprio interesse é um objetivo de longo prazo da política norte-americana". Por isso, essa "tendência deve continuar durante a administração Biden".
A Rússia estaria do lado oposto: tentando manter o status quo e as normas internacionais inalteradas.
"As abordagens da Rússia e dos EUA são radicalmente diferentes e essa diferença só aumenta", disse o professor.
"A retórica da Rússia manifesta o desejo de 'retorno'", explicou Istomin. "Para ela, a ordem internacional e o sistema da ONU se enfraqueceram nos últimos anos e é necessário 'dar um passo atrás' para melhorar essa situação."
Segundo ele, "no mundo atual a Rússia é o país que defende essa abordagem conservadora de maneira mais clara".
Influência da China
Nessa luta, a fiel da balança será a China. Apesar de suas posições internacionais conservadoras, Pequim poderá adotar uma postura cada vez mais revisionista.
"Se antigamente a questão central na competição entre grandes potências era a posse de territórios [...] hoje é a luta pelos institutos internacionais", disse Istomin. "Quem consegue convencer os demais a seguirem as regras que lhe são convenientes obtém a vantagem."
Como potência emergente, a China "poderá apresentar tendência de modificar as normas internacionais" para que elas acomodem a sua ascensão, acredita Istomin.
No entanto, o professor do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra, Xiang Lanxin, não acredita que a China esteja em uma posição indefinida entre a Rússia conservadora e os EUA revisionistas.
"Se a China estivesse realmente sentada entre dois opostos [...] ela não teria hesitado em tirar vantagens dessa posição. Mas esse não é o caso", acredita Xiang.
Segundo ele, a China tem uma visão própria da ordem internacional.
"A concepção chinesa de 'ordem' está sempre ligada à ideia de como lidar com inundações, como lidar com o poder da água", explicou Xiang.
Ele explica que a maneira ocidental de lidar com inundações é normalmente "construindo barricadas".
"Mas a forma mais eficiente de fazer isso, que a China vem aplicando por toda a sua história, é a construção de canais para permitir que a água escoe, seguindo a sua tendência natural", disse Xiang.
Para ele, essa abordagem chinesa não seria nem conservadora nem revisionista, mas muito eficaz para reduzir as tensões entre as grandes potências internacionais.
BRICS conservador
Para promover a sua agenda conservadora, Moscou constrói alianças com países com objetivos similares, a exemplo do BRICS, grupo constituído por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
"Se olharmos para as novas regras do jogo que o BRICS propõe veremos que [o grupo] se coloca em uma posição tradicionalista, como um instrumento que vai contra certas mudanças", disse Istomin à Sputnik Brasil.
O BRICS defende agendas de reformas de bancos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas mantendo a sua adesão a princípios básicos como a soberania e não intervenção nos assuntos domésticos dos países.
No entanto, Istomin nota o "forte potencial revisionista" do BRICS, uma vez que seus membros são potências emergentes.
"Eu acho que é possível trabalhar uma nova abordagem no BRICS, que com certeza age como um suplemento para o sistema internacional", concluiu o especialista.
Nesta terça-feira (3), o Clube Valdai de Discussões Internacionais se reuniu em Moscou para debater os resultados da pesquisa "De quem são as regras? Revisionistas e Conservadores em Política Internacional" coordenada pelo professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo), Igor Istomin.