No dia 1º de fevereiro, o Congresso Nacional elegeu os cargos de comando de suas duas Casas Legislativas. Na Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP-AL) venceu a disputa pela presidência com 302 votos contra 145 de seu adversário, Baleia Rossi (MDB-SP).
Por sua vez, no Senado Federal a disputa envolveu, na reta final, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Simone Tebet (MDB-MS), e o senador por Minas Gerais superou sua adversária em um único turno de votação, por 57 a 21.
Em ambos os casos, os vencedores tiveram apoio do Palácio do Planalto, de parlamentares do centrão, e também contaram com as divisões internas em diversos partidos. No caso da Câmara, uma reviravolta no DEM, o partido do ex-presidente da Casa Rodrigo Maia, fez com que a legenda abandonasse o apoio a Baleia Rossi, que era defendido por Maia, e optasse pela neutralidade. Outros partidos, como PSL e PSDB, também se mostraram divididos, o que facilitou o caminho para a vitória de Lira.
Já no Senado, Pacheco também contou com o apoio de alguns partidos de oposição, como PT e PDT, que rejeitavam Simone Tebet por sua proximidade com o campo da Lava Jato, e teve o ex-presidente da Câmara Alta, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como seu principal cabo eleitoral.
A eleição de Lira é bem vista pelo Palácio do Planalto, já que foram notórios os momentos de crise entre Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro nos últimos dois anos. Agora o Planalto acredita que terá um aliado na elaboração da pauta, que poderá levar adiante diversos projetos ignorados por Maia. Além disso, Bolsonaro, por ora, mantém distante a possibilidade de impeachment.
O que significa a aliança entre Bolsonaro e o centrão?
Em entrevistas à Sputnik Brasil, os cientistas políticos Theófilo Rodrigues e Leonardo Martins Barbosa concordam que a posição do presidente Bolsonaro está fortalecida no Congresso com as vitórias de Lira e Pacheco.
Rodrigues, que é pesquisador de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da UERJ, acredita que "Bolsonaro consolidou sua aliança com o centrão e restabeleceu o funcionamento do presidencialismo de coalizão no Brasil".
Além disso, o pesquisador ressalta que "Bolsonaro abriu mais espaço para os partidos do centrão em seu gabinete ministerial, [...] o que permite que o governo consiga aprovar matérias de seu interesse no Legislativo com maior facilidade".
Por sua vez, Barbosa, que é pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro, acredita que, apesar de a aliança com o centrão oferecer ao governo "uma posição muito mais consolidada em comparação ao período de Rodrigo Maia, ele passa a ter seus interesses mais atrelados a esses parlamentares, que têm necessidades de gastos e de investimentos públicos para manter as suas bases eleitorais".
"Assim, apesar de estar fortalecido, Bolsonaro não necessariamente conseguirá conduzir todos os interesses do governo, como a pauta conservadora e a agenda neoliberal", opina Leonardo Barbosa.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que integra o maior partido de oposição na Câmara, também falou à Sputnik Brasil sobre a aliança que levou o centrão para dentro do governo.
Na opinião do deputado, ela altera também o nível de independência do Legislativo, "que passa a ter um alinhamento maior, e um controle maior por parte do Bolsonaro sobre a pauta e sobre quaisquer iniciativas que tenham por objetivo ampliar a capacidade de fiscalização sobre as ações do governo e sobre atos que eventualmente possam envolver o próprio presidente da República".
Além disso, Pimenta sentencia que Bolsonaro tenta "consolidar o Poder Legislativo como um braço de seu projeto de poder [...] assim como o governo federal já controla, não mais como instituições de Estado, a Polícia Federal, a ABIN, a Receita Federal e a própria PGR [Procuradoria Geral da República]".
Por outro lado, Carlos Jordy (PSL-RJ), um dos apoiadores mais fiéis do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, disse à Sputnik Brasil que as vitórias do governo no Legislativo foram "muito importantes para o Brasil, porque agora nós temos dois presidentes que sabem do seu lugar, que não tentam usurpar a competência do Executivo e têm interesse em fazer o Brasil avançar com as pautas importantes", dentre as quais ele cita as reformas administrativa e tributária e as pautas de costumes.
Sobre a particularidade evolvendo a disputa no Senado, na qual o PT apoiou o mesmo candidato de Bolsonaro, os cientistas políticos ouvidos pela Sputnik Brasil afirmam que o fator Lava Jato foi decisivo, já que Tebet representava os apoiadores da operação na casa. Para Teófilo Rodrigues, essa opção "não agradava nem um pouco aos partidos da esquerda do espectro político".
Além disso, o pesquisador ressalta que, "como a vitória de Pacheco era um tanto irreversível, era racional que os partidos de esquerda apoiassem o senador do DEM e não deixassem ele sozinho no colo do governo Bolsonaro".
Já Leonardo Barbosa assinala que o apoio do Partido dos Trabalhadores a Pacheco "faz todo o sentido, pois o senador do DEM faz parte dessa coalizão política majoritária que quer enfraquecer o que significou o ativismo judicial na política, representado pela Lava Jato nos últimos anos e do qual o PT foi um dos grandes atingidos".
Quais as chances de as pautas prioritárias do governo prosperarem no Legislativo?
Logo após as vitórias de Pacheco e de Lira no Congresso, Bolsonaro entregou a ambos uma lista com propostas de 35 projetos prioritários para o governo, entre os quais se destacam Propostas de Emendas à Constituição (PEC), as reformas administrativa e tributária, a privatização da Eletrobras e de outras estatais, a flexibilização da posse e do porte de armas, e mudanças nas normas aplicáveis aos militares nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
O deputado Carlos Jordy acredita que "não há dúvidas" de que essas pautas vão avançar com a nova composição das Mesas Diretoras no Senado e na Câmara.
"Desde a primeira semana, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco têm demonstrado muita afinidade com o governo federal para fazer com que matérias importantes, como as privatizações e reformas, possam estar sendo pautadas e votadas", diz o parlamentar.
Por sua vez, os cientistas políticos ouvidos pela Sputnik Brasil não consideram que isso não será uma tarefa tão fácil assim para o governo, pois muitas dessas pautas têm interesses conflitantes com alguns partidos da base de apoio.
Theófilo Rodrigues opina que "a reforma administrativa e as privatizações da Eletrobras e dos Correios, por exemplo, são pautas que mexem com interesses de muitos funcionários públicos", o que faz com que diversos deputados não estejam dispostos a assumir um desgaste com essas corporações, já que no ano que vem haverá novas eleições.
"Não é impossível que o governo consiga a maioria necessária, mas certamente terá que ceder muito - cargos públicos, liberações orçamentárias, etc. - para aprovar cada medida dessas. O custo vai ser alto", afirma Rodrigues.
Já Leonardo Barbosa acredita que "as pautas neoliberais podem avançar na medida em que elas não ferirem os interesses do centrão, ou seja, privatizações menores e outras pautas que têm alguma aceitação no Congresso, mas coisas que ferem o tipo de investimento público do qual depende a maior parte dos parlamentares do centrão, isso vai ser difícil".
Em relação às estratégias que a oposição deverá adotar para fazer frente às prioridades do governo, o deputado Paulo Pimenta afirma que é necessário "conectar a pauta real da sociedade e do país com a pauta do parlamento". Para o político petista, essa é a única maneira de fazer "a população perceber que o governo Bolsonaro é um empecilho para que o Brasil possa dar uma resposta adequada para os principais dilemas da atualidade, a tempestade perfeita de uma crise sanitária associada a uma crise econômica".
O impeachment perde força, mas permanece no ar
Os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil apontam que é inegável que a estratégia da oposição de tentar o impeachment do presidente Jair Bolsonaro perde muita força com a eleição de Arthur Lira na Câmara, já que cabe ao presidente da Casa colocar ou não o pedido em votação.
Apesar disso, Theófilo Rodrigues acredita que "não dá para dizer que seja impossível que ele ocorra. É improvável, mas não impossível", enquanto Leonardo Barbosa destaca que os novos presidentes da Câmara e do Senado foram eleitos "para evitar o impeachment e fortalecer uma candidatura de reeleição do Bolsonaro".
Contudo, Barbosa destaca que, "em situações de caos e de queda abrupta da popularidade", os políticos do centrão "não são fiéis a Bolsonaro, tanto ideologicamente quanto programaticamente", e podem abandonar o barco, mas as chances de isso ocorrer "são extremamente diminutas".
Para o deputado Paulo Pimenta do PT, o impeachment ficou sim mais distante, mas ele destaca que existe a possibilidade de um aumento na pressão social, "na medida em que a COVID-19 avança, em que não há resposta, não há vacina, não existe um plano de vacinação, que começam a faltar vagas nos hospitais e nas UTIs, e você não vê nenhuma ação do governo federal".
"Não é impossível que essa pressão social leve o Arthur Lira e o próprio centrão a uma situação em que eles não tenham como impedir que um processo de impeachment possa avançar [...] A palavra de ordem do 'fora Bolsonaro' permanece atual e deve ser a consigna que unifica a luta política e a luta social que nós temos pela frente neste próximo período", declarou o político petista.
Como fica a corrida eleitoral para 2022?
Faltando pouco menos de dois anos para as eleições presidenciais, a disputa no Congresso dá indício de como vão se comportar as bancadas na construção das diferentes candidaturas que serão apresentadas. Para Leonardo Barbosa, duas candidaturas já estão colocadas até o momento: a reeleição de Bolsonaro e o Partido dos Trabalhadores.
"O PT, que apesar de não ter mais a liderança que tinha entre os partidos de esquerda, ainda é forte o suficiente para propor uma candidatura. E o Bolsonaro está cada vez mais sólido, se fortalecendo com a aproximação do PP e aventando a possibilidade de outros partidos do centrão, até mesmo o DEM, embarcarem em sua candidatura", opina.
Theófilo Rodrigues, por sua vez, considera que uma candidatura única de esquerda é pouco provável. Para o pesquisador, a tendência atual é que o PT, PDT e PSOL lancem candidatos. Sobre Jair Bolsonaro, Rodrigues acredita que tudo indica hoje que ele estaria no segundo turno, dada a fragmentação política nos campos da esquerda e da centro-direita.
"Doria pode ser o principal nome da direita tradicional em 2022, mas, para isso, precisa garantir um consenso no PSDB em torno de seu nome, o que não existe", afirma. Segundo Rodrigues, há outros nomes no partido com interesse na disputa, então "fica difícil para Doria costurar apoios de outros partidos da direita tradicional [...] Além disso, a direita pode ter nomes de fora do sistema partidário disputando a eleição como o apresentador Luciano Huck e o ex-juiz Sergio Moro".
Já o deputado Paulo Pimenta aposta que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é ainda o principal nome para conseguir derrotar Jair Bolsonaro. No entanto, caso Lula não venha a ser o nome do partido, Pimenta não descarta Haddad, que recentemente foi apontado pelo próprio Lula como o nome ideal para enfrentar o presidente e continua sendo uma aposta do Partido dos Trabalhadores.
"Haddad é detentor de um patrimônio de quase 54 milhões de votos, e não tem por que ele não estar, neste momento, conversando com as pessoas, organizando a sociedade, debatendo um programa de governo, pensando alternativas econômicas para enfrentar a crise", afirma Pimenta. "Agora, isso não significa obrigatoriamente que estamos abdicando da possibilidade de o Lula ser candidato, muito pelo contrário, essa é a nossa grande prioridade", acrescenta.
Em relação às chances de uma aliança de esquerda para enfrentar Bolsonaro, o deputado petista acredita que ela acontecerá naturalmente no segundo turno, em torno de um candidato que tenha compromisso com a democracia, a soberania e os direitos sociais, pois este seria o desejo das bases dos partidos desse campo político.
"É natural que no primeiro turno você tenha uma pulverização maior de candidaturas, mas acho que a possibilidade de que nós [os partidos de esquerda] não estejamos juntos no segundo turno não existe", afirma.
Por outro lado, Carlos Jordy está confiante na reeleição do presidente, e afirma que Bolsonaro não tem adversário em 2022. O deputado governista assinala que a COVID-19 prejudicou bastante o andamento dos projetos do governo, e que a oposição vem tentando responsabilizar o governo por tudo que acontece por conta da pandemia, mas ressalta que isso não abalou significativamente a popularidade de Bolsonaro.
"Embora haja um certo desgaste por conta dessa influência de oposição e de mídia, o presidente ainda se mantém com um percentual alto de aprovação e não há nenhum adversário para o presidente em 2022. Isso é o que mais desespera a oposição, porque, de todos os candidatos que eles tentam lançar, todos perdem para o presidente no primeiro e no segundo turno", sentencia Jordy.
Nesta segunda-feira (8), o ministro do STF, Edson Fachin, decidiu anular todas as condenações do ex-presidente Lula feitas pela Justiça Federal do Paraná, relativas às investigações da Lava Jato, por vício de incompetência. Com isso, o petista tem seus direitos políticos restituídos.
Esse fato pode mudar inteiramente o quadro desenhado até agora, pois, como afirmou Paulo Pimenta, o PT certamente priorizará o nome de Lula. Além disso, o prognóstico de Carlos Jordy para 2022 poderá cair por terra nos próximos dias, já que, segundo pesquisa divulgada pela Agência Estado, o ex-presidente é um adversário capaz de rivalizar nas urnas com Bolsonaro.