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Além do spray nasal: visita de Ernesto Araújo a Israel revela estratégia da política brasileira

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, concluiu uma viagem importante para o futuro político de Bolsonaro e para sua própria permanência no cargo, atingindo objetivos que vão além da busca por remédio milagroso contra a COVID-19.
Sputnik

No início desta semana, a visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil a Israel ficou marcada pelos deslizes do chanceler, que foi advertido por não usar máscara de proteção contra a COVID-19 durante evento oficial em Jerusalém.

Mas, para além da cortina de fumaça, a visita tem repercussões importantes para a política externa brasileira, a permanência do chanceler no cargo e o futuro das relações entre Brasil e Israel.

O governo federal inicialmente justificou a viagem do ministro Ernesto Araújo em plena pandemia com a promessa de que ele poderia trazer de Israel um spray nasal milagroso contra a COVID-19.

Além do spray nasal: visita de Ernesto Araújo a Israel revela estratégia da política brasileira

Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Bruno Huberman, no entanto, os motivos da viagem vão além da busca pelo "emplasto de Brás Cubas".

"Desde a saída de Trump [da presidência dos EUA], Israel se tornou um dos últimos aliados do Brasil nessa política externa antiglobalista", disse Huberman à Sputnik Brasil. "O Brasil parece estar procurando o seu grande aliado."

Por outro lado, o ministro Ernesto Araújo está lutando para se manter no cargo, após deslizes nas relações com a China que teriam dificultado o acesso do Brasil a vacinas contra COVID-19.

"Ele está tentando mostrar serviço [...] e Israel é um lugar fácil para o Brasil firmar acordos", notou o professor.

O estreitamento das relações com Israel ainda agrada a setores importantes da base eleitoral de Bolsonaro, tais como parcelas das comunidades evangélica e judaica.

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"O Bolsonaro tem perdido mais apoio popular, então assegurar seus apoios tradicionais é importante", frisou Huberman.

Relações de Estado

Apesar das afinidades ideológicas entre os governos de Bolsonaro e Netanyahu, a aproximação entre Brasília e Tel Aviv não é de hoje.

"O governo Bolsonaro buscou aprofundar desde o início uma linha que já vinha sendo traçada pelos governos brasileiros anteriores", explicou Huberman. "Desde Collor temos um processo de contínua aproximação entre Brasil e Israel."

Segundo ele, apesar do discurso mais simpático à causa palestina, os governos de Lula e Dilma marcaram forte aproximação econômico-comercial com Tel Aviv.

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"Durante os anos do PT teve um crescimento vertiginoso nas relações com Israel, que foi o primeiro país a assinar acordo de livre comércio com o Mercosul", disse Huberman. "As pacificações no RJ [...] e outras operações da época foram feitas com armas, tanques e tecnologias israelenses."

"O Brasil comprou muitas armas de Israel e exportou muitos produtos agrícolas", revelou o professor. "O que Bolsonaro busca fazer é um aprofundamento disso, levar a um outro patamar."

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Essa aspiração de Bolsonaro, no entanto, ainda não se traduziu em resultados concretos e continua "no plano do desejo".

"Mas as questões diplomáticas são assim, lentas e graduais. E com Bolsonaro não é diferente", contemporizou Huberman.

Interesses de Israel

Israel também tem interesse em construir relações sólidas com o Brasil.

"O Brasil é a principal liderança da América Latina e um grande mercado consumidor", notou Huberman.

No entanto, parte da população é simpática à causa palestina e "o Brasil se tornou um território de ação importante para a campanha do BDS, movimento de boicotes, desinvestimentos e sanções a Israel", disse o professor.

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O movimento BDS promove o rompimento de relações diplomáticas e econômicas com Israel, em forma análoga à campanha internacional contra o regime do apartheid na África do Sul.

"O Brasil é um país que potencialmente poderia liderar um movimento de solidariedade aos palestinos no plano material", acredita Huberman.

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Portanto, "ter Brasília como um aliado próximo evita que o Brasil se torne um expoente do BDS".

Perspectivas

Para o professor, a viagem de Ernesto Araújo tem o objetivo de demonstrar que as relações entre Brasil e Israel serão prioridade para Brasília.

"Quando o Netanyahu veio para a posse de Bolsonaro, ele disse que as relações entre os países estavam entrando em um 'momento especial'", recordou Huberman.

No entanto, a saída do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, está levando Israel a reformular sua política externa.

Na semana passada, Israel anunciou a troca de seu embaixador em Brasília, Yossi Shelley, famoso por seu bom relacionamento com Bolsonaro.

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"Após quatro anos de trabalho intenso, posso dizer que me sinto de coração parte deste imenso e lindo país", escreveu Shelley em rede social.

"O seu substituto [Danny Zonshine] não é visto como alguém de dentro dessa lógica antiglobalista que identificaria [...] essa época Bolsonaro–Netanyahu", disse Huberman. "Ele é um diplomata de carreira, mais burocrático e moderado."

Para ele, isso poderia ser uma sinalização de que "o Brasil deixaria de ser tão prioritário na política de Israel como foi durante os anos Trump".

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Mesmo que a comitiva não traga de volta para o Brasil o spray nasal contra a COVID-19, ela quer "garantir que as relações permaneçam tão próximas quanto estavam", concluiu o especialista.

No dia 5 de março, comitiva brasileira chefiada pelo chanceler Ernesto Araújo e integrada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) realizou visita oficial a Israel, durante a qual se reuniram com autoridades como o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e com o ministro das Relações Exteriores, Gabi Ashkenazi.

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