A descoberta da variante P1 do coronavírus em Manaus, que vem sendo apontada como potencialmente mais transmissível que o vírus SARS-CoV-2 original, fez com que diversos países proibissem a chegada de voos vindos do Brasil, e ainda aumentassem as restrições para as pessoas procedentes do país.
Na América do Sul, países como Peru e Argentina decidiram estender as restrições até meados deste mês de março. Segundo a ministra da Saúde da Argentina, Carla Vizzotti, a prorrogação das medidas de fechamento de fronteiras foi tomada de forma preventiva, até que haja mais informações sobre a variante brasileira do vírus.
De acordo com um mapa elaborado por um site de venda de passagens aéreas, cerca de 120 países em todo o mundo possuem algum tipo de restrição para voos vindos do Brasil, enquanto outros 50 estão completamente fechados, permitindo a entrada apenas de seus cidadãos e residentes que voltam para casa. Apenas 43 não possuem restrições formais de viagem.
Para o especialista em relações internacionais Alexandre Uehara, o fechamento das fronteiras para os voos vindos do Brasil e as medidas de restrição para as pessoas procedentes do território brasileiro têm grande impacto para a imagem do país no exterior, que vai além dos prejuízos econômicos nos setores diretamente afetados por essas medidas, como o turismo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Uehara, que é professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Negócios Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP), indica que o Brasil "virou o epicentro da atenção mundial" com o crescimento de casos e mortes por COVID-19, e também com a identificação dessa nova variante.
"Já foi Wuhan na China e os Estados Unidos em outro momento. Felizmente, os EUA estão conseguindo fazer uma vacinação grande, que tende a dar uma perspectiva mais otimista. Mas, no Brasil, faltam vacinas, falta o isolamento da população, há um crescimento grande do contágio e um crescimento grande das mortes, então, de fato, isso tudo tem chamado muito a atenção mundial", afirma.
Uehara lembra ainda que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, chegou a cobrar o país em uma entrevista coletiva recente da organização, pedindo ações rígidas de contenção da contaminação pelo novo coronavírus. Além disso, a organismo internacional manifestou preocupação com a variante P1 de Manaus, pois ela "carrega mutações que dão ao vírus vantagens muito particulares, principalmente em relação à transmissão", nas palavras do diretor de emergências Mike Ryan.
Para o professor de relações internacionais, o temor relativo a essa maior transmissibilidade da cepa descoberta no Brasil é uma preocupação grande para os demais países, pois, "se para nós, que estamos no centro do furacão, essas informações já assustam, para quem está mais distante, isso assusta muito mais".
"Com certeza, há uma preocupação muito grande com a nova cepa brasileira e, se mantivermos esse grau de disseminação do vírus, pois sabemos que isso favorece o surgimento de novas mutações, e não conseguirmos conter a transmissão, isso será ainda pior", opina.
Até o momento, não há muitas informações sobre o impacto real da cepa de Manaus na situação da pandemia. O que se sabe é que, além de ser possivelmente mais transmissível, ela teria a capacidade de reinfectar pessoas que já tiveram a doença. Segundo o médico infectologista Marcos Neves Bóia, "até agora, todas as informações [sobre a variante de Manaus] são suposições, conjecturas".
Em conversa com a Sputnik Brasil, Neves Bóia, que também é professor de Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, afirma que a cepa "está sendo investigada", mas não há dados suficientes ainda para dizer se ela é "a responsável realmente por esse aumento do número de casos, e também pelo aumento do número de mortes".
"As informações, até o momento, das características dessa cepa são muitas, mas não tem uma precisão exata do impacto dela. Mas tudo indica que a transmissibilidade é bem maior. A questão da morbidade, ou seja, a capacidade de causar lesão no organismo, é discutida. Aparentemente, não temos dados para afirmar que há um maior número de mortes nessas cepas. E também a questão da vacina, se as vacinas atuais serão eficazes no controle [da variante]. São todas perguntas, interrogações que são de todos nós neste momento", comenta.
De acordo com o infectologista, apenas daqui umas três semanas os grandes centros de pesquisa do país, como a Fundação Oswaldo Cruz e o Butantan, que fazem o monitoramento em conjunto com as autoridades de Saúde para identificar e caracterizar as cepas e sua disseminação, deverão ter dados mais objetivos sobre essas mutações, "se são mudanças sequenciais", algo semelhante ao que acontece com o vírus da gripe influenza.
"O vírus circula e vai mudando gradativamente em determinadas regiões, então esses vírus são monitorados e, anualmente, ou bianualmente, são produzidas novas vacinas com as características desses novos vírus, e é possível que isso seja, no futuro, a estratégia de controle e de prevenção da COVID-19", conclui.