É o que afirma Paulo Velasco, cientista político, coordenador do programa de pós-graduação em relações internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Segundo ele, a afirmação de Araújo de que o Brasil de Lula hostilizou os Estados Unidos (EUA) e a União Europeia (UE), além de ter ignorado o Japão e discriminado Israel, não é verdadeira.
"É muito difícil, muito difícil mesmo, concordar com o chanceler. […] Esta é uma representação muito tacanha, muito mesquinha, da política externa de Lula", diz Paulo Velasco, em entrevista à Sputnik Brasil.
Velasco destaca que, ao contrário do que disse Araújo, nunca houve hostilidades contra nenhum destes países nem contra o bloco europeu por parte do Itamaraty. Pelo contrário: todos eles sempre foram importantes parceiros comerciais e estratégicos do Brasil.
O especialista opina que o que pode ter levado Araújo a fazer tais afirmativas é a política externa "universalista" de Lula. Ou seja: os governos do PT buscaram expandir as parcerias do Brasil para além dos países tradicionais do norte global, como EUA, Japão e Europa. Foram inúmeras parcerias firmadas com países como China, África do Sul, Índia e Angola, por exemplo – além da atenção especial dada ao Mercosul.
"Diversificação não é abrir mão de parcerias tradicionais. Diversificar significa pluralizar, multiplicar parcerias, até para reduzir nossa vulnerabilidade e ficar menos concentrado, menos dependente de um rol pequeno de parceiros internacionais", avalia o cientista político.
'Uma política externa errática e caótica'
Na fala desta quarta-feira (10), Lula defendeu a posição dos governos do PT de aprofundar as relações com países de fora do eixo EUA-Europa, citando a criação dos BRICS. Além disso, disse que o Brasil era respeitado por países como Rússia, Índia e China, e fez duras críticas ao alinhamento automático com Washington.
"Quando é que nós vamos tomar conta do nosso nariz? Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença pra respirar para o governo norte-americano? O Brasil tinha um projeto de soberania", disse Lula.
Para Velasco, críticas como esta são sinais claros de que o ex-presidente entende que a política externa de Bolsonaro contraria princípios e tradições da diplomacia brasileira, consolidados ao longo de décadas. Na opinião de Velasco, Lula buscou, em seu discurso, apontar as principais fragilidades do governo atual: "E a política externa certamente é uma delas", afirma o especialista.
"É uma política externa errática e caótica, que contraria o espírito da tradição da diplomacia brasileira, que vinha sendo consolidada desde a década de 1960" avalia o cientista político.
Política externa pode ajudar a decidir eleições, diz especialista
Por isso, o especialista acredita em uma grande mudança na postura do Itamaraty em um eventual novo governo do PT em 2023. Haveria a volta de um maior apreço pelo multilateralismo e por uma política externa universalista, feita com autonomia, que não descarta nenhum parceiro. Velasco lembra que a marca da política externa dos anos do PT foi fugir de qualquer tipo de alinhamento automático e, principalmente, olhar atentamente para os parceiros da América Latina, servindo muitas vezes como uma ponte entre o Sul e o Norte do mundo.
"É muito possível termos uma guinada importante. Embora em termos tradicionais e históricos sejam raros os momentos de ruptura do Itamaraty, o presidente Bolsonaro significou uma ruptura com as tradições, e uma volta de um outro governo, por exemplo um governo do PT, significaria uma retomada destras tradições", diz Velasco.
O próximo governo brasileiro terá, possivelmente, que reverter práticas e posições tomadas pelo Itamaraty no governo Bolsonaro. Até mesmo declarações – como as que foram realizadas contra a China e contra a esposa de Emmanuel Macron – deverão ser corrigidas, segundo Velasco.
Por conta da grande diferença de visão política entre Lula e Bolsonaro, Velasco acredita que, nas próximas eleições, a política externa pode, sim, ser um fator decisivo para a definição de um vencedor. Isto iria de encontro à crença de que, no Brasil, política externa não define voto.
"Política externa não impacta tanto nas eleições, não dá voto nem tira voto. Mas podemos entender que, sim, o fato de um candidato se mostrar mais lúcido e mais pragmático pode ter impacto na corrida eleitoral", opina Velasco.