Nesta quinta-feira (11), a Câmara dos Deputados deve votar em segundo turno a Proposta de Emenda Constitucional 186/19, apelidada de "PEC Emergencial".
O apelido sugere que a PEC trata da retomada dos repasses do auxílio emergencial, necessários para evitar nova onda de falências e dificuldades entre os brasileiros mais afetados pela pandemia.
"No entanto, se observarmos bem, a PEC pouco fala do auxílio emergencial", disse a professora de Direito do Trabalho da UFPE, Juliana Teixeira Esteves, à Sputnik Brasil. "As menções são extremamente vagas. A PEC não estipula nem o valor total, nem o número de parcelas."
A PEC 186 permite ao governo ultrapassar o teto de gastos em até R$ 44 bilhões para custear o auxílio, "mas não especifica de onde virão esses recursos". A título de comparação, o gasto com o auxílio emergencial em 2020 se aproximou dos R$ 290 bilhões.
O Palácio do Planalto estima que o auxílio fique entre R$ 175 a R$ 375, a ser repassado de março a junho. No entanto, as regras do repasse serão enviadas ao Congresso Nacional, provavelmente por meio de Medida Provisória (MP), em um segundo momento.
Esteves acredita que o auxílio emergencial foi usado como uma desculpa para a aprovação acelerada de mais medidas de ajuste fiscal no Brasil.
"Foi uma justificativa para seguir em frente com o que já está em curso no país, que é uma reforma de Estado, para modificar o caráter social do Brasil", disse Esteves.
Segundo ela, a Constituição prevê a construção de um estado de bem-estar no país, com vistas à "construção de uma sociedade livre, justa e solidária".
"O que estamos vendo agora é a tentativa de conduzir uma reforma do Estado, mas sem ter que fazer uma nova Constituição", acredita Esteves.
O texto da PEC 186 prevê medidas como o congelamento de salários de funcionários públicos, da progressão de suas carreiras e da convocação de concursos.
Acordo selado na terça-feira (10) entre o governo e a Câmara, no entanto, poderá eximir categorias como militares e policiais dessa nova exigência.
"A conta vai ficar para servidores públicos médios, como o enfermeiro que está aplicando a vacina, o auxiliar de enfermagem, o maqueiro e os professores", disse Esteves.
A PEC 186 ainda prevê medida apelidada de "subteto do teto": estados cujas despesas superem 95% das receitas terão que adotar medidas de ajuste fiscal automaticamente, como congelamento de salários e criação de novas vagas no funcionalismo.
A exemplo do teto de gastos, a nova lei será mais uma das "regras autoimpostas pelo Estado para limitar seus gastos sociais", disse Esteves.
O Brasil não tem dinheiro?
O principal argumento a favor da PEC 186 é o de que o Brasil não tem dinheiro para financiar mais uma rodada de auxílio emergencial.
"Nós temos dinheiro e o argumento da dívida pública é jogado para implantar medidas de austeridade fiscal, como a PEC 186", disse Esteves.
"Esse argumento foi também utilizado para a alteração da Previdência", mesmo depois que o "relatório da CPI da Previdência [de 2017] demonstrou que ela era superavitária", relatou a professora.
Esteves concorda com economistas que defendem o endividamento do Estado como instrumento para estimular a economia nacional.
"O Estado não é a mesma coisa do que uma dona de casa. O Estado tem a impressora de dinheiro, a dona de casa não tem", disse Esteves. "Você pode girar a roda da economia."
Financiar o auxílio
De acordo com a professora o Brasil teria recursos para financiar o auxílio emergencial sem incorrer em endividamento.
"O Brasil tem dinheiro em caixa. Tanto internamente quanto fora do país, com as reservas cambiais em dólar", declarou Esteves. "Via de regra, essas reservas devem ser destinadas a pagamentos fora do país, como a importação de vacinas."
O país ainda teria mecanismos para angariar fundos para custear os gastos com a pandemia, caso necessário.
"Existe a possibilidade de taxar os super-ricos [...] ou de cobrar imposto de renda sobre aplicações financeiras", propôs a professora.
Outras medidas seriam a tributação de dividendos e o aumento do teto do imposto de renda, "que foi ajustado pouquíssimas vezes nos últimos 20 anos".
"Mas, infelizmente, a briga política e os lobbys impõem que não se mexa com tributos. Porque mexer com tributo é mexer com as camadas mais poderosas da sociedade", lamentou Esteves.
Reforma da vez
Após a aprovação de reformas como a trabalhista e a da Previdência, a bola da vez é a reforma administrativa, ou PEC 32/20.
De acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a reforma administrativa será incluída entre as pautas prioritárias do seu "Calendário Brasil", a serem votadas ainda no primeiro trimestre de 2021.
A reforma poderá incluir o princípio da subsidiariedade na Constituição Brasileira, que considera o setor público complementar ao privado.
A proposta enviada pelo governo propõe ainda rever a estabilidade do servidor público. Enquanto alguns acreditam que a estabilidade deixa o servidor improdutivo, outros apontam que ela o protege de pressões políticas e corruptores.
Além disso, as novas regras não serão aplicadas a militares, magistrados, parlamentares, promotores e procuradores, cargos que estão entre os mais bem pagos do funcionalismo brasileiro.
O governo federal, por sua vez, argumenta que é necessário reduzir os gastos com pessoal, em função do endividamento da União, dos estados e dos municípios.
"A reforma administrativa enviada pelo governo federal usa a dívida pública como justificativa para coordenar o fim do serviço público", disse o professor da UFAL, José Menezes Gomes, à Sputnik Brasil.
Segundo ele, a dívida pública dos estados pode ter origem ilegítima e deveria ser auditada.
"Precisamos aprofundar a auditoria cidadã das dívidas dos estados", acredita Gomes. "Sabemos que parte do rombo dos bancos estaduais tem origem em empréstimos tomados pelas elites locais."
Ele lamenta que essa dívida seja utilizada para cortar serviços sociais às parcelas mais vulneráveis da população, que não teriam participado da formação da dívida.
"Usar a dívida pública como justificativa para avançar reformas neoliberais é parte do ritual seguido por vários governos [para] a eliminação de direitos sociais", concluiu o especialista.
Na madrugada desta quarta-feira (10), a PEC 186/19, apelidada de PEC Emergencial, foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados por 341 votos contra 121. O presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL) convocou votação em segundo turno para esta quinta-feira (11).