Ao mesmo tempo, as medidas de restrição de circulação em função da última onda de COVID-19 têm dificultado o regresso aos países de origem daqueles que pedem apoio à agência da ONU. Na oitava edição do Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (ARVoRe VIII), da OIM em Portugal, 110 pessoas já haviam se inscrito até esta quarta-feira (10), das quais 98 são cidadãos brasileiros.
A oitava edição do programa da agência da ONU em Portugal terá capacidade para apoiar até 600 pessoas com o retorno voluntário e poderá acompanhar 70 migrantes retornados no seu processo de reintegração na chegada ao país de origem.
Em média, o tempo de espera e preparação para o voo a partir da inscrição é de três meses, mas ainda não foram realizadas viagens em 2021 no âmbito do ARVoRe VIII. Os voos entre Portugal e Brasil estão suspensos desde o fim de janeiro, e é provável que a suspensão seja prorrogada por mais 15 dias no próximo decreto de estado de emergência, a ser renovado até o fim desta semana.
Na quarta-feira (10), a TAP realizou o segundo voo excepcional de Lisboa para Guarulhos, com 298 passageiros. Mas as passagens custaram até R$ 13 mil, assim como no primeiro voo, e também no próximo, anunciado para a próxima segunda-feira (15), todos autorizados pelo governo português em caráter extraordinário para repatriar cidadãos de ambos os países.
Na última edição, 97% dos beneficiados foram brasileiros
No entanto, muitos brasileiros que já tinham passagens de outras companhias aéreas não têm dinheiro para pagar por um novo voo. Condições de vulnerabilidade social também estão entre os principais fatores dos inscritos no programa da OIM em Portugal. Os brasileiros representaram cerca de 97% das 501 pessoas que regressaram por meio do último programa (ARVoRe VII), que terminou em dezembro de 2020.
Dos inscritos que se beneficiaram do retorno voluntário até o fim do ano passado, 94% estavam em situação irregular à data da entrevista. De acordo com Vasco Malta, a análise dos dados apresenta uma grande variedade de respostas quanto às principais dificuldades sentidas em Portugal. No entanto, a grande maioria refere os obstáculos de regularização (23,6%), a par com a situação econômica (21,2%), a falta de emprego (18,5%) e a habitação e aluguéis caros para o nível de vida no país (12%). (Leia a entrevista abaixo)
"Aqui, as dificuldades não são isoladas e estão profundamente relacionadas com a situação de vulnerabilidade dos migrantes", resume Vasco Malta.
Do total de pessoas que regressaram no ARVoRe VII (incluindo brasileiros), 55% eram mulheres. Em 2020, verificou-se um aumento de agregados familiares inscritos (62%). Foram principalmente adultos (61,1% tinham a partir de 18 anos), mas com um número significativo de crianças (38,5%). O chefe da Missão da OIM destaca que os menores de idade que regressaram fizeram-no junto com suas famílias em sua grande maioria.
No último ano do programa, também foram identificados 235 casos com pelo menos uma condição de vulnerabilidade associada: 47% apresentavam uma situação de vulnerabilidade relacionada com o agregado familiar; 20% eram casos com problemas de saúde; 12% estavam sem abrigo; 4% foram vítimas de alguma forma de violência; 5% correspondem a grávidas; 1% a idosos; e 1% foi identificado como presumíveis vítimas de tráfico de seres humanos.
"A análise dos dados mostra, uma vez mais, o crescimento do número de agregados familiares apoiados em 2020, e o consequente aumento das vulnerabilidades e a urgência no apoio a estas situações, uma vez que existem menores envolvidos", ressalta Malta.
A advogada baiana G.T., que pediu para ser identificada apenas pelas iniciais do seu nome, recorreu à OIM para tentar retornar ao Brasil. Ela mora em Braga, onde chegou em 2018 com os dois filhos, um de 15 anos e outro de 18. Desempregada e tendo que entregar o apartamento onde mora com eles até o dia 20 de março, ela se encaixa no perfil descrito pelo programa ARVoRe.
"Era um sonho da família, que virou um pesadelo. Um dos meus filhos tem asma crônica, e outro está com depressão. O pouco dinheiro que pego vendendo as coisas da casa estou usando para comprar comida. Estou ficando com depressão também e muito angustiada. Tenho crise de choro e não aguento mais ficar assim. Preciso de ajuda para voltar para o Brasil urgente, antes que não tenhamos onde ficar", relata G.T.
Na quarta-feira (10), ela recebeu um e-mail do Consulado-Geral do Brasil no Porto depois de ter pedido ajuda ao Itamaraty e às representações diplomáticas brasileiras em Portugal há um mês.
"Tendo em vista o pedido que a senhora nos encaminhou em 11 de fevereiro e dando cumprimento a instruções do Ministério das Relações Exteriores, agradeceria enviar, em resposta a esta mensagem, fotos dos passaportes da senhora e de seus filhos", lê-se no e-mail ao qual Sputnik Brasil teve acesso.
Confira a entrevista com Vasco Malta, chefe da Missão da OIM em Portugal, abaixo:
Sputnik: Quanto tempo, em média, os inscritos no programa ARVoRe precisam aguardar para retornar a seu país de origem desde a inscrição?
Vasco Malta: O tempo de análise do pedido de retorno e a preparação da viagem demoram em média cerca de três meses. Atualmente, este tempo de espera também está dependente das restrições de viagens. Não obstante, cada caso é analisado individualmente e procuramos responder e ajustar este tempo às necessidades de cada migrante que procura a OIM considerando também a vulnerabilidade associada.
S: Enquanto aguardam os voos de retorno voluntário, os inscritos no programa ARVoRe recebem algum apoio da OIM em Portugal? Qual?
VM: A OIM encaminha os casos de vulnerabilidade para os serviços locais existentes. No âmbito do ARVoRe VIII, haverá uma parceria em Portugal para apoio psicossocial pré-partida, na qual estamos a trabalhar. O Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração propõe uma abordagem integrada, que começa com a informação e o aconselhamento em Portugal, e a monitorização do apoio à reintegração no país de origem. Preocupa-se também com a capacitação dos atores como forma de reforçar parcerias e na identificação e mapeamento de atores que possam complementar o apoio. É de reforçar que as parcerias são fundamentais na resposta: quer na fase pré-partida, antes da pessoa viajar para dar resposta a necessidades específicas, quer na fase pós-chegada para assegurar uma continuação de apoio e respectivo encaminhamento para serviços de apoio locais.
S: Como é feita negociação com as companhias aéreas? Em que medida as restrições impostas ao tráfego aéreo por conta da pandemia têm dificultado esse trabalho?
VM: Na prática, as medidas de restrição afetam a mobilidade de uma forma global e não se esgotam no tráfego aéreo. Recordamos que as fronteiras terrestres entre Portugal e Espanha estão encerradas também, o que traz um grande desafio aos trabalhadores transfronteiriços, por exemplo. Os voos promovidos no âmbito do programa partem da utilização de voos comerciais, havendo uma restrição nesse sentido, torna-se mais difícil a organização destes voos.
S: Em muitos grupos nas redes sociais, brasileiros que ainda vivem no Brasil manifestam o desejo e o sonho de morar em Portugal. Contudo, não demonstram ter uma real noção das dificuldades por que passam imigrantes. O senhor acredita que as redes sociais contribuem para gerar uma imagem idílica e ilusória da vida em Portugal para estrangeiros?
VM: As redes sociais podem ser um fator, contudo, as migrações não são um fenômeno recente, sempre existiram. As pessoas não migram só porque viram no Facebook ou no Instagram. Existem também fatores/circunstâncias nos países de origem que puxam pessoas a migrar. As redes sociais têm tanto de negativo como de positivo: se, por um lado podem ajudar na preparação da viagem, aproximar os membros de uma determinada comunidade ou podem também ajudar a identificar respostas quando há necessidade de apoio; também podem ter um efeito perverso no sentido em que podem criar uma ilusão e levar ao engano quem pretende migrar. As redes sociais são uma das ferramentas usadas no recrutamento de vítimas de tráfico, por exemplo.