O nome do ex-presidente Lula voltou a ocupar as manchetes de inúmeros jornais do Brasil ao longo desta semana. O motivo foi a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todas as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava Jato, por entender que a Justiça Federal do Paraná não tinha competência para julgar os casos envolvendo o político.
Lula foi condenado pela 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba nos processos do triplex no Guarujá (SP) e do sítio em Atibaia (SP), e ainda respondia a outras duas ações ligadas à mesma operação. Para Fachin, o antigo titular da vara em questão, o ex-juiz Sergio Moro, não era o magistrado "natural" para tratar desses casos — como afirmava a defesa do ex-chefe de Estado desde o início —, razão pela qual eles foram repassados para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Sem entrar no mérito das acusações, das sentenças ou mesmo da maneira polêmica como foram conduzidos os processos, sob suspeitas de parcialidade e perseguição política, o fato é que a medida tomada pelo ministro restaurou os direitos políticos do petista e, consequentemente, as possibilidades de concorrer novamente a um cargo eletivo.
Até sua prisão, em abril de 2018, Lula liderava as pesquisas de intenção de voto para presidente na eleição daquele ano. Três anos depois, com a sua elegibilidade devolvida, ele já figura novamente como um dos favoritos para o pleito presidencial de 2022.
Embora a hipótese de um retorno de Luiz Inácio ao Palácio do Planalto tenha sido comemorada por grande parte da população, nem todos ficaram felizes com essa notícia. Além dos adversários do ex-presidente, o ressurgimento do Lula pré-candidato repercutiu mal também no mercado financeiro, apontado por especialistas como um dos principais sustentáculos do atual governo brasileiro, do presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista à BBC, o megainvestidor alemão-americano Mark Mobius afirmou ser "duvidoso que um retorno de Lula resultaria em um governo marcadamente hostil aos negócios".
Afinal, do que o mercado tem medo?
"Um possível temor seria que o Partido dos Trabalhadores (PT), se assumisse a presidência novamente, poderia tomar medidas para impor controle sobre a mobilidade de capitais, controlar a taxa de câmbio ou administrar a taxa básica de juros de uma forma temerária", cita, em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Guilherme Haluska, pesquisador do Grupo de Economia Política do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo Haluska, o suposto medo que o mercado diz ter de Lula se refere a medidas que o PT poderia tomar que não tomou durante os vários anos em que esteve no poder, de 2003 a 2016.
"Foi durante esse período que o Brasil acumulou as reservas internacionais de que dispomos hoje e que permitem ao país enfrentar as crises internacionais com maior autonomia. Além disso, nesses anos, o Banco Central sempre manteve a taxa básica de juros relativamente elevada, comparada a outros países. Sempre mantendo um diferencial de juros que cobrisse a taxa de juros internacional e o risco-país, e, ainda assim, tornando atrativo realizar investimentos no país, de forma a atrair capital estrangeiro. Isso fez inclusive com que tivéssemos longos períodos de valorização do real durante esses anos."
Se, por um lado, Lula e sua sucessora, a também petista Dilma Rousseff, não bateram de frente com o mercado, de outro, também não fizeram tudo que os empresários queriam. Um motivo de grande insatisfação entre o empresariado apontado pelo pesquisador foi o fato de esses governos manterem uma política de aumento real de salários, o que, ao longo do tempo, provocou uma compressão das margens de lucro das empresas, o que, em sua opinião, foi inclusive a principal motivação para esse grupo apoiar o impeachment de Dilma no início de seu segundo mandato.
Passado um período de várias reformas e ações pró-mercado adotadas pelas administrações de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o que agora preocupa os investidores, ainda de acordo com Haluska, é o fato de Lula, em seus discursos, apontar para uma possível revisão dessas reformas, para focar, novamente, em uma valorização da mão de obra, em detrimento dos lucros.
Agenda de Lula não é de ruptura
Mesmo que a agenda econômica de um hipotético novo governo do PT represente um freio aos dogmas liberais que ganharam mais voz e mais força com Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, ela está longe de representar uma ruptura, na opinião do professor Marco Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"O Lula, em seu discurso, ele acenou para uma agenda muito mais moderada em relação a esse dogma liberal. Quer dizer, uma agenda muito mais, vamos dizer assim, de centro. Tem um papel mais atuante das empresas públicas enquanto instrumentos de política pública, interrupção eventual desse processo de privatizações, papel mais central do investimento público na retomada do crescimento econômico. Mas, reparem, está longe de ser uma agenda de ruptura", comenta o especialista, também ouvido pela Sputnik Brasil.
Entre os principais nomes cogitados para o pleito presidencial de 2022, Bolsonaro é o único, segundo Rocha, que defende uma agenda mais linha dura em termos de um dogma liberal: continuidade do processo de privatizações, autonomia do Banco Central, retomada, a curto prazo, do superávit primário, entre outros exemplos. Quando surge um concorrente em potencial com reais chances de ocupar a cadeira de presidente que não segue exatamente a mesma linha, isso gera, naturalmente, um desconforto entre os agentes do mercado. Mas o "medo", para o acadêmico, é "exagerado".
"O problema é que o mercado financeiro, atualmente, ele embarcou no governo Bolsonaro e defende a manutenção dessa agenda econômica que, como eu disse, não tem chances reais de vitória na próxima eleição, exceto continuando no bloco de apoio ao governo Bolsonaro. É nesse sentido que a gente tem que entender o medo do mercado. Quer dizer, na verdade, é um medo de não ter a sua agenda sendo atendida de modo privilegiado pelo governo. Mas é um medo exagerado."
Mercado teme possível descontrole fiscal
Para Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, o receio do mercado com uma nova presidência de Lula existe realmente e é justificável.
Também em declarações à Sputnik Brasil, ela sublinha que o presidente Lula tem falado muito sobre as possibilidades de se fazer políticas que sejam mais expansionistas e mais agressivas no socorro à população, o que significaria mais gastos por parte da União.
"Ele tem inclusive falado bastante nos últimos dias que o crescimento econômico só vai ser possível se o governo investir dentro da economia, naturalmente, gastar mais e, aí, conseguir gerar empregos."
O problema disso, segundo a especialista, é que aumentar os gastos públicos em um país que precisa reencontrar o equilíbrio fiscal não parece ser o melhor caminho. E o mercado, na sua opinião, entende isso perfeitamente. E entende também que o atual governo tem buscado reduzir esses gastos.
"Então, a gente tem uma redução ou, pelo menos, uma tentativa e uma intenção, de ter um lado fiscal muito mais controlado. E o mercado entende isso de uma forma muito positiva porque percebe que uma economia com gastos contidos, um equilíbrio fiscal, consegue ser uma economia que cresce bem ao longo do tempo, gera um caminho muito sustentável de crescimento econômico, que faz com que lá na frente, lá no futuro, a gente tenha uma situação um tanto melhor."
Os efeitos negativos de uma mudança de rota nesse sentido, de acordo com Inhasz, seriam uma piora das expectativas dos investidores do mercado no geral, menor probabilidade de que investidores externos venham para o Brasil e de que investidores domésticos queiram apostar na estrutura produtiva nacional e um Estado se endividando de forma excessiva.
"O final dessa história acaba sendo uma taxa de juros muito alta, uma economia que acaba não conseguindo garantir um crescimento econômico sustentável e ausência total de incentivos à tecnologia, ao desenvolvimento. Então, existe um grande medo, sim, de que a gente comece a andar para trás. O mercado está colocando isso na conta, certamente, está levando isso em consideração para calcular, novamente, o que a gente já viu lá atrás, chamado de 'efeito Lula', só que, agora, com outra cara, dentro de outro contexto."