COVID-19: enquanto UE debate certificado digital de imunização, Madeira já aceita turistas vacinados

A Comissão Europeia apresentou, na última semana, a proposta de um certificado digital que comprove vacinação, testagem ou recuperação da COVID-19. O documento funcionará como um passe verde para livre circulação dos cidadãos da União Europeia. A Madeira, território português, já faz algo similar.
Sputnik

Desde o último mês, o arquipélago português tem aceitado turistas vacinados ou que tenham anticorpos contra o novo coronavírus. Dessa forma, estão livres para entrar na Madeira viajantes munidos de comprovante de vacinação contra a COVID-19 (respeitando a janela de imunização que varia entre as diferentes vacinas) ou documento médico, emitido nos últimos 90 dias, que certifique estarem recuperados da doença.

Os documentos precisam ser emitidos pelas autoridades sanitárias do país de origem e devem ser digitalizados no aplicativo MadeiraSafe, por meio do qual as autoridades da Região Autônoma da Madeira monitoram o estado de saúde dos visitantes. Essa autenticação no app dá acesso ao corredor verde e evita perdas de tempo, tornando o processo mais célere para o turista. 

Nuno Vale, diretor-executivo da Associação de Promoção da Madeira, afirma à Sputnik Brasil que vê com bons olhos a aprovação de um documento único para a UE, previsto para o verão europeu, a partir de junho. 

"O Certificado Verde Digital servirá de prova de vacinação, teste ou recuperação, com o objetivo de suprimir as restrições à livre circulação instituídas nos Estados-membros, como requisitos de teste ou quarentena. Logo, quando estiver em pleno funcionamento, será, sem dúvida, uma mais-valia à entrada de turistas na Madeira, uma vez que vai uniformizar e facilitar medidas já implementadas pelo Governo Regional da Madeira", justifica Nuno Vale.
COVID-19: enquanto UE debate certificado digital de imunização, Madeira já aceita turistas vacinados

Na prática, atualmente, a região autônoma, que inclui as ilhas da Madeira e de Porto Santo, só pode receber turistas vacinados ou recuperados da COVID-19 de um seleto rol de países. Além dos 27 membros da UE, estão autorizados voos de associados do Espaço Schengen (Liechtenstein, Noruega, Islândia e Suíça), Austrália, China, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Ruanda, Singapura, Tailândia, Hong Kong e Macau.

Como o arquipélago tem que seguir as mesmas regras estabelecidas pelo governo português, os voos provenientes do Brasil estão suspensos desde 29 de janeiro até, pelo menos, 31 de março, bem como os do Reino Unido, em decorrência das novas variantes do SARS-CoV-2 descobertas em ambos os países. 

Questionado pela Sputnik Brasil se há alguma previsão de aceitar o trânsito de turistas brasileiros ou se esta é uma decisão que depende de Portugal continental, Nuno Vale ressalta que, na Madeira, os vacinados, bem como todos aqueles que reúnem condições de acesso ao corredor verde, são beneficiados independentemente da sua origem ou nacionalidade.

"A Madeira não coloca restrições à entrada de cidadãos brasileiros ou de qualquer outra nacionalidade, desde que cumpram as regras estipuladas. O que acontece é que, como não conseguem entrar em Portugal, depois também não conseguem cá chegar", explica.

Eleita em novembro de 2020 pelo sexto ano seguido como Melhor Destino Insular do Mundo pelo World Travel Awards, considerado o Oscar do turismo, a Madeira foi pioneira na criação de um documento de boas práticas (COVID Safe Tourism). Mesmo antes de a vacinação entrar em vigor, o governo local já havia optado por assumir os encargos pela realização de testes em todos os viajantes que chegassem sem PCR realizado nas últimas 72 horas anteriores ao embarque.

Também foi lançado um processo de certificação internacional na gestão de riscos biológicos por parte da Associação de Promoção da Madeira para todos os operadores turísticos, de forma que não só todas as regras de higienização sanitárias estivessem asseguradas, como devidamente certificadas por entidade independente com reputação internacional. 

Secretária de Turismo reconhece importância do mercado brasileiro

Ainda em dezembro, durante a Sétima Reunião Virtual do Comitê de Crise da Organização Mundial do Turismo, Rita Marques, secretária de Estado do Turismo de Portugal, havia dito à Sputnik Brasil que estimava que, "muito em breve", Portugal pudesse flexibilizar as condições de entrada de turistas do mercado brasileiro, destacando que ele é "importantíssimo".

O que se viu, entretanto, foi a suspensão de voos entre Portugal e Brasil, que já causa danos não só ao mercado turístico, como a residentes que precisam viajar de um país a outro. No último sábado (20), em entrevista ao Dinheiro Vivo, Rita Marques citou o mercado brasileiro, que tem "taxas de crescimento a dois dígitos", como uma das alternativas ao britânico. 

Contudo, apesar de reafirmar que Portugal espera voltar a receber visitantes do Reino Unido a partir de 17 de maio, data que o primeiro-ministro britânico Boris Johnson estipulou como previsão inicial para os britânicos poderem fazer viagens internacionais, Rita Marques não deu um prazo para o governo português aceitar brasileiros em voos regulares. 

"Temos relações privilegiadas com o Brasil, mas isso não nos permite retomar os voos à velocidade que queríamos, é preciso alguma paciência, porque não temos ainda condições para acolher aqueles que nos querem visitar", disse Rita Marques ao Dinheiro Vivo.
COVID-19: enquanto UE debate certificado digital de imunização, Madeira já aceita turistas vacinados

Nesta segunda-feira (22), Sputnik Brasil questionou o ministério de Estado da Economia e da Transição Digital, ao qual é vinculado a secretaria de Turismo, a respeito da previsão de Portugal voltar a receber os brasileiros. Em nota, a pasta afirmou que os governos português e brasileiro estão em contato permanente para avaliar a interdição atualmente existente do tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal, mas não deu prazos. 

"A avaliação depende naturalmente da situação epidemiológica em Portugal, da União Europeia e do Brasil. Nesta altura, tendo em conta as recomendações da União, relativas à restrição temporária das viagens não indispensáveis para a UE, mantém-se a necessidade de prorrogação e reforço das medidas restritivas do tráfego aéreo, devidamente alinhadas com as preocupações de saúde pública do momento atual", lê-se na nota enviada à Sputnik Brasil.

Também nesta segunda, o presidente Marcelo Rebelou de Sousa afirmou que é muito provável que o estado de emergência seja prorrogado até maio. Vale lembrar que Portugal suspendeu os voos com o Brasil após o Reino Unido fazer o mesmo com os dois países, alegando os fortes laços entre ambos e o risco de disseminação da variante brasileira do novo coronavírus.

Entretanto, em solo lusitano, a variante britânica é preponderante entre os novos casos (65% até o início de março), enquanto foram identificados apenas quatro casos em fevereiro (e 11, no total) da estirpe de Manaus, segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Na última sexta-feira (19), o Reino Unido retirou Portugal da sua lista vermelha e voltou a aceitar voos do país. Rita Marques, por sua vez, destacou que a Comissão Europeia sinalizou a preocupação de que o passe verde digital seja feito em diálogo com países terceiros, incluindo o Reino Unido. 

Ela classificou o certificado como um instrumento fundamental e ágil que habilitaria viagens em segurança, frisando que a proposta surgiu na sequência de uma reunião de ministros neste mês, sob a presidência portuguesa do Conselho Europeu. Para garantir a autenticidade, o documento terá que conter, obrigatoriamente, um QR code e uma assinatura digital.

Especialista alerta para risco na corrida por passaporte da vacinação

Já o epidemiologista Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública de Portugal, diz à Sputnik Brasil que um eventual passaporte da vacinação é uma questão muito mais econômica do que de saúde. No entanto, diante do baixo alcance que a imunização atingiu até agora, ele alerta sobre possíveis riscos para a corrida pelo documento, que acabaria estimulando o contágio.

"Uma solução desse gênero, em um contexto de uma enorme escassez de vacinas, torna-se complicada. Pode haver um risco moral para obter esse passaporte mais rapidamente. Se um jovem de 25 anos não conseguir se vacinar para viajar, por exemplo, pode ser um estímulo para ele se infectar e conseguir o documento como doente recuperado. Tem que ser muito bem pensado", pondera Mexia.
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Ao apresentar a proposta, a Comissão Europeia fez a ressalva, contudo, de que o certificado não poderá ser exigido "como pré-condição para o exercício da liberdade de movimentos" e que a ausência do documento não será aceita como justificativa para impedir o embarque de passageiros por qualquer meio de transporte entre os países (aéreo, ferroviário, rodoviário ou marítimo).

Também foi levantada a possibilidade de reconhecimento da imunização com outras vacinas que ainda não foram aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), mas estão sendo administradas por alguns Estados-membros, como a russa Sputnik V e a chinesa da Sinopharm. Nesse caso, a decisão caberá a cada país.

Antes disso, porém, a proposta legislativa precisa ser aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da UE, para só depois entrar em vigor como um regulamento comunitário de aplicação temporária, até quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) mantiver o alerta de pandemia de COVID-19. 

Como a ideia é de que o certificado entre em vigor em junho para tentar salvar o turismo europeu durante o verão, a presidência portuguesa rotativa no Conselho da UE, que termina no meio do ano, terá que correr contra o tempo novamente para negociar mais essa matéria. Vice-presidente executiva da Comissão Europeia, a dinamarquesa Margrethe Vestager mostrou-se esperançosa em entrevista à agência Lusa e a outros órgãos de comunicação em Bruxelas.

"O Parlamento já concordou em tratar este assunto como um procedimento rápido e penso que é importante a forma como a presidência portuguesa gere esta questão. Penso que nos dá alguma esperança de que este verão [do Hemisfério Norte] possa ser normal de alguma forma, tanto para as pessoas que trabalham no setor hoteleiro, como para muitos de nós, que gostariam [...] de férias", disse Margrethe Vestager.
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