O apreço de Jair Bolsonaro pelo Exército do Brasil não é recente. Quando deputado, o atual presidente era visto como um defensor do corporativismo militar. Uma vez eleito chefe de Estado, no início de 2019, Bolsonaro logo inflou seu governo com a presença de oficiais das Forças Armadas.
Em julho de 2020, o TCU projetou que havia 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo. No último dia 6, a Folha de São Paulo reportou que, com a chegada do general Joaquim Silva e Luna na Petrobras, o número de militares na cúpula das maiores estatais com participação da União consolidará uma marca história: 92 cargos.
Ao que tudo indica, o Exército brasileiro é uma nova espécie de Posto Ipiranga do governo, responsável pela resposta de todas as crises no Brasil. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro disse que militares poderão auxiliar na imunização da população, ampliando o leque de atribuições das Forças Armadas.
Para Márcio Coimbra, cientista político e coordenador na Faculdade Presbiteriana Mackenzie, em Brasília, a ajuda dos militares na questão da vacinação é um bom indicativo. O especialista ressaltou, contudo, que é preciso "ter muito cuidado em relação a esta aproximação" do governo federal com o Exército.
Crise de vacinas? Militares na imunização
Em entrevista à Sputnik, Márcio Coimbra fez uma série de alertas sobre o excesso de militares em cargos civis do governo de Jair Bolsonaro. Na opinião dele, contudo, dada a gravidade da crise de COVID-19 no Brasil, a ajuda o Exército poderá ser bem-vinda.
"A missão da vacinação com a ajuda dos militares é muito bem-vinda. Nós vimos isso em diversos países do mundo, especialmente nos EUA. Os militares tem essa capacidade de deslocamento, de organização e logística, que pode nos ajudar muito na vacinação em um momento de crise como essa que estamos vivendo", afirmou.
Em seguida, ele avisou: "Mas, a gente precisa ter muito cuidado em relação a esta aproximação". O especialista entende que é preciso fazer este gesto (participação do Exército na vacinação) como uma missão de Estado, e não de governo. "As Forças Armadas representam o Estado, e não o governo", frisou o especialista.
Para Márcio Coimbra, "precisamos olhar essa situação de uma forma muito pontual, e como mais uma ação que os militares fazem de forma específica para determinado ponto", como a questão ambiental, ou mesmo a segurança das fronteiras.
O professor defendeu que o Exército não pode ser utilizado como uma política de governo, e que há uma confusão por parte do presidente Jair Bolsonaro neste assunto.
"Ele não entende a diferença entre Estado e governo, e usa as forças do Exército para ações onde ele acha que há um peso da presidência, mas não pode ser desta forma", afirmou.
Há riscos para o Brasil?
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro faz pronunciamentos para cadetes do Exército brasileiro e participa de formaturas assiduamente.
Nesta semana, ele acordou com senadores de sua base aliada que os oficiais das Forças Armadas sejam a única categoria que deve ser contemplada com reajuste salarial em 2021. O restante dos servidores seguirá com o salário congelado até dezembro. Analogamente, há a questão já mencionada sobre cargos no governo.
Para Márcio Coimbra, "não é proveitoso para o Brasil, de um modo geral, ter um presidente que recorra tanto às Forças Armadas. Isso é bom para o presidente, porque ele alicerça seu apoio e estada" no Exército brasileiro.
'Estão esticando a corda'
Em diversas ocasiões, como em seu próprio aniversário, no último domingo (21), Bolsonaro disse que "estão esticando a corda". Sempre que o faz, em seguida ele cita o Exército brasileiro, sugerindo que tem apoio e respaldo. Márcio Coimbra entende que há uma clara mensagem neste comportamento do presidente.
"Ele faz ameaças veladas usando as Forças Armadas de forma subentendida. Isso está errado. O Bolsonaro fala em tiranos, diz que estão esticando a corda, que o nosso Exército é o verde oliva [...] Na verdade, Bolsonaro usa o Exército para intimidar seus opositores, distorcendo os conceitos de democracia e liberdade", frisou o professor.
Ele ainda disse que as Forças Armadas se sentiram incomodadas com estes recentes apelos, mas precisam se posicionar. O que o presidente Bolsonaro está fazendo é perigoso, concluiu.
"As Forças Armadas hoje ocupam postos dentro do governo, e isso de alguma forma confunde as funções de uma instituição de Estado. O melhor é não termos oficiais da reserva e, especialmente, da ativa, em postos do governo, que não sejam destinados à Defesa".
E se a corda romper?
Questionado sobre uma possível ruptura da ordem democrática no Brasil, Márcio Coimbra disse que não quer "acreditar que haja respaldo do Exército para isso". Ele relembrou o papel das Forças Armadas ao longo da história do país, e disse que elas tiveram uma imagem muito arranhada durante o período em que estiveram no poder, de 1964 a 1985.
"A grande ideia que nós temos, e todo país democrático, com relação a criação de um Ministério da Defesa, com as três forças do Exército abaixo dela, é colocar o Ministério da Defesa sob comando civil. O Michel Temer errou naquele momento", disse o especialista.
Por fim, o professor criticou as Forças Armadas por assumirem cargos de civis no governo federal. "O Brasil precisa olhar com muito cuidado para esta militarização do governo, porque é esta militarização que pode levar a uma situação extrema, a um movimento de ruptura da ordem", concluiu.