De acordo com a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, existem cerca de 3.500 quilombos certificados no país. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em levantamentos preliminares para o Censo 2021, indicou a existência de 5.972 localidades quilombolas, em mais de 30% dos municípios brasileiros. O governo, por sua vez, informou que pretendia vacinar 1.133.106 quilombolas distribuídos em 1.278 municípios de 25 estados e do Distrito Federal.
Segundo estimativas da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (Conaq), essa população seria formada por mais de 16 milhões de indivíduos. Considerando essas estimativas, as doses seriam suficientes para pouco mais de 7% da população quilombola do país.
Ciente do problema, o governo solicitou aos coordenadores estaduais de imunizações o envio de dados atualizados dos povos e comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas, por município, fonte e data de atualização, para revisar suas estimativas. Mas especialistas temem que os números continuem subdimensionados.
"Existe uma invisibilização das comunidades quilombolas pela ausência de dados atualizados que contemplem toda essa população. Mesmo com a atualização solicitada pelo Ministério da Saúde, o número de quilombolas a serem vacinados ficará subdimensionado, uma vez que nem todos residem nos territórios, pois precisam trabalhar e estudar fora. Como sabemos, os agentes de saúde só cadastram em suas fichas quilombolas residentes no território, inclusive filhos que estão estudando ou trabalhando fora do território não são cadastrados", afirma Givania Silva, uma das coordenadoras da Conaq, em nota enviada à Sputnik Brasil pela Terra de Direitos, organização parceira da coordenação que também atua na defesa dessas comunidades.
A publicação do Plano Nacional de Operacionalização é resultado de uma determinação do Supremo Tribunal Federal, que, em resposta a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada pela Conaq e partidos políticos, reconheceu, no mês passado, a omissão do governo em efetivar ações de enfrentamento à crise epidemiológica dirigidas às comunidades quilombolas. Mas, para a assessora jurídica da Conaq e da Terra de Direitos Vercilene Dias, o que o Ministério da Saúde está chamando de plano é, na verdade, um conjunto de diretrizes, com base nas quais estados e municípios é que ficarão responsáveis pela "viabilização dessa operação".
Um problema ligado a essa tentativa de transferência de responsabilidade por parte do governo federal, segundo a coordenação, é o não reconhecimento por parte de alguns estados e municípios das comunidades quilombolas.
Maira Moreira, também assessora jurídica da Terra de Direitos, destaca que o quantitativo populacional previsto no tal plano faz com que as metas de imunização fiquem aquém do exigido no âmbito da ADPF. Segundo ela, seria importante a vacinação respeitar a prevalência do critério de autodeclaração, conforme estabelecido na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e no decreto 4.887/2003 do governo federal.
"A fragilidade dos dados chama atenção para o desinvestimento que o governo federal fez no IBGE, inviabilizando o Censo de 2021, que seria o primeiro a ter realmente informações mais detalhadas sobre a população quilombola. Enquanto não tivermos um quantitativo real, precisamos garantir que todos os quilombolas sejam vacinados, ou seja, que se privilegie metodologias inclusivas", explica Moreira.