Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a participação do Brasil nas importações dos países sul-americanos caiu de 14,5%, em 2010, para 10,7%, em 2019.
Desta forma, de acordo com a CNI, o Brasil deixou de exportar US$ 56,2 bilhões (cerca de R$ 325 bilhões). Ao mesmo tempo, os países da América do Sul deixaram de vender para o Brasil, que absorveu 7,4% das exportações da região em 2019, contra 10,5% em 2010.
Para Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), o "efeito China é global" e "há um problema de competitividade, sobretudo em relação às manufaturas" produzidas pelo país asiático.
Como exemplo, o especialista cita a queda da participação dos Estados Unidos e do Canadá nas exportações para o México, que passou a comprar mais dos chineses. Na América do Sul, a presença da China também é cada vez maior, o que diminui as vendas brasileiras para parceiros tradicionais.
"É preciso ter isso em mente. É uma questão estrutural, diante do crescimento chinês, o Brasil não tem poder para impedir que a China ganhe fronteiras, força em algumas tecnologias e torne sua produção mais eficiente. Mas temos que nos defender", apontou Rodrigues Vieira.
Crise no Brasil e Argentina
O economista Mauro Rochlin, professor da área de MBA da Fundação Getúlio Vargas, também concorda com o efeito avassalador da China sobre o comércio global.
"A maior dimensão da economia chinesa e sua maior participação na economia internacional explica em boa parte isso que está acontecendo, porque tantos países latino-americanos e sul-americanos passaram a comprar menos do Brasil em termos relativos", disse o especialista à Sputnik Brasil.
Ao mesmo tempo, Rochlin aponta outros fatores que podem ter contribuído para a diminuição da fatia brasileira no mercado sul-americano, como a recessão em vários países da região.
"Crise para os dois lados, brasileiro e argentino, que são as duas maiores economias da América do Sul. A Colômbia tem algum peso, o Chile também, mas, definitivamente, Brasil e Argentina são as principais economias da região, e os dois países andaram muito mal nos últimos anos, enquanto a China andou muito bem", comparou o pesquisador da FGV.
Mercosul
Além disso, Rochlin aponta disputas políticas entre os países e "discórdias dentro do Mercosul", que no momento debate, sem chegar a um consenso, sobre a retirada da Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco, que estipula uma taxação mínima para as importações.
Segundo a CNI, da perda total de US$ 56,2, a maior parte, 69,8%, o que representa US$ 39,2 bilhões (cerca de R$ 227 bilhões), corresponde ao que não teria sido arrecadado com as exportações para a Argentina. Depois, aparecem Peru, com 10,5%, ou US$ 5,9 bilhões (aproximadamente R$ 34 bilhões); Colômbia, com 9,4%, ou US$ 5,3 bilhões (cerca de R$ 31 bilhões); e Chile, com 4,3%, ou US$ 2,4 bilhões (aproximadamente R$ 14 bilhões).
Faltou se defender
Apesar da força do fator China, Rodrigues Vieira diz que o Brasil poderia ter se defendido e marcado maior presença no comércio regional. Segundo o professor da Fundação Alvares Penteado, o país poderia ter buscado fortalecer áreas estratégicas e feito acordos com nações sul-americanas.
"O que o Brasil poderia ter feito para se defender disso? Primeiro, promovendo exportações. Ver se faltou, sobretudo nos últimos anos, uma proximidade maior com a Argentina, nosso maior parceiro na região. Em relação aos outros países, claramente o Brasil falhou em não fazer acordos de livre comércio", afirmou o especialista.
O pesquisador explica como movimentos feitos por outros países, como Chile, por exemplo, que buscou fazer acordos bilaterais com a nações asiáticas e os Estados Unidos, afetam as exportações brasileiras,
"Um produto que o Brasil compete, mesmo a produção coreana sendo mais distante, o Chile vai comprar esse produto da Coreia. Para baixar as tarifas, o Brasil teria que fazer um acordo via Mercosul", disse o professor.
'Pode ser irreversível'
Além do Chile, o Brasil poderia ter se aproximado mais profundamente da Colômbia, aponta Rodrigues Vieira. Segundo ele, "esses mercados cresceram de maneira mais consistente e passaram a demandar mais manufaturados".
"Falta ao Brasil, no meu entendimento, um tipo de inteligência de mercado. O próprio governo identificar áreas fortes de atuação em que poderíamos exportar mais, e, independentemente de ter acordos, avançar nesses setores. É o que os países fazem. Identificar lacunas e oportunidades dentro das oportunidades vigentes", afirmou.
O professor diz que a dificuldade de responder ao efeito China, mais do que qualquer motivo político, vem causando perda de competitividade para as exportações brasileiras. Ao mesmo tempo, afirma que, "quanto mais dermos as costas para parceiros, menor tende a ser, no longo prazo, o fluxo comercial".
"Se nós continuarmos a dar as costas às Américas, à exceção dos Estados Unidos, como fez o presidente Jair Bolsonaro, essa tendência de queda pode se acentuar, e ser até irreversível", disse Rodrigues Vieira.