Atualmente, apenas empresas brasileiras com navios próprios podem operar o serviço de cabotagem no Brasil. Pelo BR do Mar, o mercado seria aberto a companhias sem frota própria, que poderiam apenas alugar embarcações estrangeiras.
O coordenador do curso de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da UFRJ, Luiz Felipe Assis, em entrevista à Sputnik Brasil, afirmou que o projeto de lei conhecido como BR do Mar, tem como mérito a mobilização do setor marítimo e a discussão do tema, mas destaca que a proposta tem problemas.
De acordo com o especialista, o projeto pode gerar um impacto na indústria de construção naval, que construiu poucos navios para os serviços de cabotagem de contêiner.
"A frota é na, sua maior parte, constituída de navios importados - e devidamente nacionalizados - ou afretados à casco nu - desde que a empresa tenha lastro em frota registrada no país -, mostrando que não há impedimento para expansão da frota ou criação de novos serviços", destacou.
Luiz Felipe Assis observou, no entanto, que as medidas têm "grande potencial para, posteriormente, afetar a construção naval offshore, de apoio marítimo e mesmo de navegação interior. "Eventuais benefícios com a reparação naval previstos no projeto de lei não compensam de forma alguma o esvaziamento do setor para novas construções", acrescentou.
O sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, declarou à Sputnik Brasil que a eficiência logística é o maior trunfo do projeto, considerando as dimensões continentais e a extensão litorânea do Brasil.
Com o potencial fluvial brasileiro e com o aumento da produção, principalmente agrícola, "essas características geográficas tornam a navegação de cabotagem essencial para o escoamento de todos esses produtos", destaca. Rodrigues, no entanto, também aponta que a infraestrutura de portos brasileira ainda é insuficiente.
"Hoje o transporte fluvial ainda é pequeno e as facilities [aplicação de mão-de-obra especializada] existentes para estocagem de produtos trabalham com capacidade quase máxima. Portanto, os incentivos para que esse tipo de projeto se desenvolva não se resume à cabotagem em si, mas em toda a infraestrutra necessária", acrescentou.
Outro aspecto do projeto BR no Mar é a determinação de que a parcela de dois terços da tripulação dos navios fretados deverá ser composta por funcionários brasileiros. O comandante, o mestre de cabotagem, o chefe de máquinas e o condutor de máquinas também deverão ser brasileiros.
Para o diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (ABAC), Luis Fernando Resano, é positiva a possibilidade de a empresa brasileira de navegação afretar embarcação a tempo em uma proporção à sua frota própria, mas observou que é negativa a obrigatoriedade de empregar dois terços de brasileiros. Ele disse à Sputnik Brasil que tal medida não torna o mercado atrativo e não gerará os empregos desejados.
"Também tem de negativo a possibilidade de novas empresas brasileiras de navegação poderem operar sem ter a propriedade de nenhuma embarcação, o que abre o mercado para especuladores em uma concorrência desigual com as empresas que investiram no Brasil. Esta medida desincentiva investimentos e enfraquece o segmento da navegação", acrescentou Resano.
Impacto para os caminhoneiros?
O objetivo do projeto, segundo o governo, é aumentar a oferta da cabotagem no Brasil, incentivar a concorrência, criar novas rotas e reduzir os custos. Atualmente, o transporte aquaviário representa 11% do total de cargas movimentadas no Brasil, enquanto o rodoviário lidera com 65% do total.
O professor da UFRJ, Luiz Felipe Assis, lembrou que ainda são necessários estudos para uma real avaliação da migração de cargas e o seu potencial impacto, considerando que o transporte marítimo de contêineres no Brasil vem crescendo a taxas elevadas desde a sua introdução, no final do século passado, sem que essa discussão fosse colocada.
"Se por um lado são segmentos que competem, principalmente em rotas longas como a que liga Manaus às regiões Sudeste/Sul do país, a quase totalidade da carga de contêiner chega ou parte dos portos usando o transporte rodoviário", disse.
Já o sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, afirmou à Sputnik Brasil que há um "gargalo logístico enorme" no Brasil e o projeto BR do Mar poderia beneficiar os caminhoneiros.
"Ao contrario do que possa parecer, o transporte marítimo de cabotagem é complementar ao transporte rodoviário. Hoje existe no Brasil um gargalo logístico enorme. Os caminhoneiros seriam muito beneficiados se a logística fosse mais rápida e eficiente. Isso significaria menos tempo no frete, mais eficiência no escoamento de produtos e mais dinheiro no bolso do caminhoneiro", completou.