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Dia da Mentira: qual é o impacto das fake news nas campanhas de vacinação?

A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender de que maneira as fake news afetam as campanhas de vacinação contra a COVID-19 e como a sociedade está reagindo para mitigar os impactos da desinformação na maior crise sanitária da história recente.
Sputnik

As notícias falsas se tornaram um grande problema no combate à pandemia de COVID-19 em todo o mundo. Em setembro do ano passado, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, chegou a advertir que as campanhas de desinformação em torno da COVID-19, em especial as relacionadas às vacinas, representavam uma séria ameaça à saúde global, com potencial para reverter "décadas de progresso no combate a doenças que podem ser prevenidas".  

Assim como a COVID-19 se espalhou pelo mundo, também se espalharam rumores, inverdades e desinformaçãoi - que podem ser tão perigosas quanto a doença. Podemos controlar o vírus se as pessoas tiverem informações precisas e oportunas sobre as medidas básicas que podem tomar para se proteger e proteger os outros.

No Brasil, pesquisas recentes indicam que o número de pessoas que pretendem se vacinar está crescendo, mas também revelam que existe uma parte considerável da população que ainda resiste à vacinação contra a COVID-19.

Na pesquisa Datafolha realizada em janeiro de 2020, 79% da população afirmava que pretendia se vacinar, enquanto 17% dizia que não. Agora, no levantamento publicado no último dia 21 pela Folha de São Paulo, o número de pessoas que indicaram que pretendem se vacinar subiu para 84%, enquanto o dos que disseram que não receberão o imunizante caiu para 9%.

As fake news, por sua vez, têm um papel importante na tomada de decisão daqueles que não pretendem se vacinar. Segundo um levantamento realizado pelo Ibope no ano passado, mais de 30% dos entrevistados que disseram que não vão se vacinar apontaram algum tipo de fake news como motivo.

As razões alegadas vão desde informações de que as vacinas não são seguras e podem contaminar as pessoas que forem inoculadas, até relatos absurdos de que os imunizantes poderiam provocar alterações no DNA ou são produzidos a partir de células de fetos abortados.

Fake news sobre vacinas não é algo novo no Brasil

Para o filósofo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), o fenômeno das fake news relacionado às vacinas não é uma novidade no Brasil. Em entrevista à Sputnik Brasil, o professor lembra que, em 2018, durante o surto de febre amarela, houve uma onda de desinformação, até em sentidos contraditórios, sobre a vacina.

"Em um primeiro momento, falou-se que a onda de febre amarela era maior do que realmente era, o que levou às pessoas a uma corrida para os postos de vacinação. Depois, circularam diversas informações sobre possíveis efeitos adversos da vacina, o que fez com que as pessoas deixassem de se vacinar", comenta.

Contudo, Ortellado destaca que esse movimento foi basicamente espontâneo, diferente do que vem acontecendo agora com a COVID-19. Segundo o especialista, hoje existe uma estrutura politicamente organizada de produção dessas notícias, que foi estabelecida durante as eleições de 2018, e não deixou de funcionar.

"Com a COVID-19, nós temos uma campanha que é politicamente organizada, principalmente através das redes bolsonaristas. Ainda temos um pouco do fenômeno espontâneo também, mas o problema maior é a existência de uma máquina de propaganda política, que foi construída durante a campanha eleitoral e nunca foi desativada", aponta Ortellado.

O especialista, no entanto, observa que essa estrutura tem mudado de estratégia, tirando o foco das vacinas e mirando em outras questões, como o chamado tratamento precoce e as críticas às medidas de isolamento impostas por alguns governadores e prefeitos.

Na opinião do professor da USP, isso é um reflexo da mudança de posicionamento do próprio governo Bolsonaro, que passou a defender as vacinas diante da pressão que a crise provocada pelo coronavírus vem exercendo sobre o seu mandato.

Como combater as fake news?

Em relação às formas de combate à disseminação da desinformação no Brasil, Ortellado indica que a principal medida seria a responsabilização dos indivíduos e empresas que produzem esses conteúdos falsos e os propagam pela Internet.

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Para o especialista, o aplicativo WhatsApp é o principal mecanismo de disseminação de fake news no Brasil, e também é onde é mais difícil combatê-las. Segundo Ortellado, outras redes sociais possuem algum tipo de política de gestão de conteúdo, que em alguns casos não são seguidas 100%, como no YouTube, mas que oferecem algum tipo de freio para a divulgação de informações falsas.

Contudo, o WhatsApp, que está presente em quase todos os telefones celulares do Brasil, não possui qualquer tipo de rastreamento de conteúdos prejudiciais que se tornam virais. Para Ortellado, o projeto de lei de combate às fake news, que atualmente está tramitando no Congresso, contém alguns pontos interessantes, entre eles o que estabelece o rastreamento de mensagens no WhatsApp, mas ele ressalta que o mesmo está parado e não há sinais de que voltará a ser discutido em breve.

"É essencial que haja a possibilidade de rastrear o ponto de origem das mensagens que viralizam para poder responsabilizar os indivíduos e grupos que promovem e produzem essas campanhas de desinformação", opina.
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Indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis às fake news

Em meados de fevereiro, a CNN Brasil informou que teve acesso a dois comunicados de equipes do Ministério da Saúde no Pará que relatam que muitos indígenas estão recusando a vacinação contra a COVID-19 em suas aldeias.

De acordo com o relatado pelos profissionais de saúde nos documentos, os indígenas têm recusado a vacina por medo, após receberem orientações errôneas via rádio de que morreriam 15 dias após receberem a vacina ou que se transformariam em jacarés, entre outras informações equivocadas.

Em conversa com a Sputnik Brasil, o ativista Eriki Paiva Terena, que integra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirma que as fake news representam um risco muito grande para os povos indígenas, principalmente os de contato mais recente, "que ainda estão nessa fase de tentar socializar com o mundo externo".

"Os povos indígenas, eles têm menor contato com a tecnologia, não têm esse entendimento 100% de pesquisar as fontes, de entender a notícia [...] A ciência que é feita na cidade não chega diretamente aos territórios indígenas, onde predomina a ciência natural, feita do método tradicional, ancestral, que foi passado de nossos antepassados para nós", avalia Terena. 

Contudo, o ativista acrescenta que o conhecimento tradicional indígena não abrange a COVID-19, "não entende e não consegue explicar a COVID-19 cientificamente", o que torna mais factível para os indígenas nas aldeias acreditar em informações equivocadas.

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Programa Vacina Parente!

Para combater a desinformação entre os povos indígenas, a APIB desenvolveu o programa Vacina Parente!, para incentivar os nativos a se conscientizarem sobre a importância da vacinação contra a COVID-19.

"Nós, como organização indígena, precisamos pensar a partir das nossas bases para poder formular estratégias, formular propostas. E, ao perceber que a desinformação chega muito mais rápido, a gente precisou se adaptar para [fazer com] que a informação chegasse mais rápido também, e chegasse nas pontas de fato", afirma Terena.

De acordo com o ativista, a estratégia do Vacina Parente! começa na mobilização dentro das aldeias, para fazer chegar aos povos indígenas as informações "sobre os benefícios da vacina, sobre as caraterísticas da doença e as medidas de prevenção".

Nesse sentido, a iniciativa também esclarece o que são as fake news, através de um acervo onde são sistematizadas e arquivadas todas as denúncias de notícias falsas que chegam nos territórios indígenas para que se possa combatê-las.

Além disso, o grupo monitora o número de vacinados e atua em várias frentes para "garantir que os indígenas que estão em outros contextos, que o governo federal, de forma racista e discriminatória, retirou do plano de imunização", tenham o seu direito assegurado, "estejam eles onde estiverem", conclui o ativista Eriki Paiva Terena.

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