As ações da Petrobras sofreram um baque quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma troca no comando da empresa, após discordar dos aumentos nos preços dos combustíveis feitos na gestão de Roberto Castello Branco, baseados na política de preços paritários de importação (PPI). Na última segunda-feira (12), na assembleia geral dos acionistas da estatal, o governo conseguiu eleger sete de oito executivos indicados para a renovação do colegiado.
Na mesma reunião, foi aprovada a destituição de Roberto Castello Branco e a nomeação para o conselho de administração do general Joaquim Silva e Luna, que, indicado por Bolsonaro, deve ser eleito pelo conselho para presidir a empresa ainda nesta semana. Provisoriamente, a Petrobras conta com a presidência interina do seu diretor executivo de Exploração e Produção, Carlos Alberto Pereira de Oliveira.
O início da gestão de Luna gera apreensão e expectativa entre investidores, acionistas, funcionários e parceiros da estatal. A principal dúvida é se, na nova gestão, presidente e conselho manterão os rumos elogiados pelo mercado e que, ao que tudo indica, teriam custado o cargo de Castello Branco, ou se tentarão impor uma grande mudança na gestão, indo ao encontro das pressões feitas pelo chefe de Estado nos últimos meses.
"As incertezas sobre a Petrobras devem se manter até que o novo presidente da empresa assuma o cargo e detalhe para o mercado sobre a nova política de preços de combustíveis, a venda de refinarias no seu plano de desinvestimento e a alocação de capital da petroleira", afirma José Falcão, especialista em renda variável da Easynvest, em declarações à Sputnik Brasil.
Segundo a Petrobras, o presidente que deixou ontem (12) a estatal teve um papel fundamental para desalavancagem da companhia, melhoria da alocação de capital, com foco nos investimentos em ativos de classe mundial, e aceleração de desinvestimentos de ativos não prioritários. Através da implementação dos cinco pilares estratégicos, custos foram reduzidos e configurados para permanecerem em trajetória descendente, houve aumento da produtividade, aceleração da transformação digital, lançamento de compromissos de baixo carbono e sustentabilidade, e foco na meritocracia e criação de valor.
No entanto, ao votar pela sua destituição na última segunda-feira (12), a Associação dos Engenheiros da Petrobras, na condição de acionista minoritário, solicitou a "responsabilização do senhor Castelo Branco e dos demais conselheiros pelos prejuízos causados à companhia e, por conseguinte, ao patrimônio do povo brasileiro".
Tais prejuízos, conforme a Aepet, estariam evidenciados nas vendas da transportadora TAG, da BR Distribuidora e da Liquigás, no pagamento de dividendos a acionistas maiores do que o lucro da companhia, no processo de venda de refinarias, quando, conforme o plano estratégico, deveriam construir novas refinarias, e na manutenção dos preços paritários internacionais.
Silva e Luna pode resgatar papel social da Petrobras?
Alinhado ao mercado, Roberto Castello Branco, na opinião do coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, fez, durante sua presidência, com que a Petrobras se voltasse exclusivamente para os interesses de acionistas privados e do capital financeiro, principalmente internacional, negligenciando um papel social histórico e fundamental da empresa. Nesse sentido, sua saída traz expectativas positivas, da parte dos sindicalistas, de que essa tendência possa ser contida, principalmente, levando em conta as sinalizações feitas pelo presidente da República e pelo próprio Silva e Luna.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Bacelar divide essas expectativas em quatro pontos. O primeiro deles diz respeito à política de preços, que, atualmente, segundo ele, é pior do que o preço de paridade internacional, pois leva em consideração custos logísticos de importação de derivados mesmo com esses derivados não sendo importados. E quem paga a "conta de tudo isso" é a "sociedade brasileira", desde a gestão de Pedro Pullen Parente.
"Nós entendemos que há, sim, a possibilidade, de não trabalharmos com o preço de paridade de importação. Porque, hoje, nenhum país do mundo autossuficiente em petróleo, com refinarias, como é, por sinal, o Brasil, adota essa política de preços", afirma, explicando que outros países com características semelhantes nesse setor "observam os custos nacionalizados" na formação de preços.
E uma mudança nessa direção, de acordo com a principal liderança sindical dos petroleiros, não ameaçaria a obtenção de lucros por parte da companhia e de seus acionistas e não teria os impactos que a atual política tem tido sobre a inflação no país.
O segundo aspecto levantado pelo coordenador da FUP se refere às privatizações. De acordo com ele, não faz o menor sentido a teoria defendida por Castello Branco de que a venda de refinarias da estatal aumentaria sua capacidade de concorrência e levaria a uma redução de preços para a população, ideia já desmentida por especialistas.
"A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em um estudo encomendado pela Associação das Distribuidoras de Combustíveis, disse que se essas refinarias forem vendidas, das nove, em seis, haverá monopólios regionais. Então, a população, por exemplo, da Bahia, do Nordeste, que consome derivados de petróleo da refinaria da Bahia [RLAM], vai ficar refém desse monopólio regional. A população do Amazonas e do Norte do país, que consome derivados de petróleo lá da REMAN, vai ficar refém desse monopólio regional. A população do Rio Grande do Sul, que consome derivados da REFAP, vai ficar refém desse monopólio da REFAP", destaca, mencionando também o risco de desabastecimento de produtos básicos que seriam menos atrativos financeiramente para os produtores privados.
Em terceiro lugar, ainda sobre o mesmo assunto, Bacelar lembra o caso específico da Refinaria Landulpho Alves [RLAM], localizada no município baiano de São Francisco do Conde, cuja venda está sendo analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Isso porque a instalação teria sido negociada, com fundo financeiro dos Emirados Árabes Unidos, a um valor muito abaixo do seu preço de mercado.
"Essas refinarias, hoje, representam mais de 60%, quase 70% do faturamento da Petrobras", diz o sindicalista. "A refinaria da Bahia, a RLAM, foi responsável por 30% de toda a exportação de óleo bunker — aquele óleo combustível, com baixo teor de enxofre, para navio — da Petrobras para o mundo, principalmente para a China. Então, quem garantiu, durante esse período de baixa do preço do barril do petróleo no mercado internacional, retorno e agregou valor para a Petrobras foram as refinarias. Como você quebrar essa possibilidade da empresa de ser resiliente a essas oscilações?", questiona.
Esse terceiro ponto, assim, se debruçaria sobre a investigação e possível revisão dessa decisão de negociar a RLAM e, sobretudo, a um preço inferior ao seu valor real.
Por último, o representante da FUP diz esperar que a nova gestão da Petrobras tome providências efetivas para reduzir os riscos de disseminação do novo coronavírus entre os petroleiros, profissionais amplamente afetados pelo surto da COVID-19 no Brasil.
"A média de contaminação aqui, na Petrobras, é duas vezes maior do que a média do país. A gente já está, infelizmente, com mais de 13% dos petroleiros e petroleiras infectados. E estamos falando só dos concursados, porque dos terceirizados a gente nem tem essas informações, porque a Petrobras não passa."
Atual política de preços 'é muito benéfica para a companhia'
Ao contrário do que aponta a FUP, para José Falcão, da Easynvest, a Petrobras vinha fazendo o seu dever de casa desde a gestão de Pedro Parente, "que retirou a empresa de um dos piores momentos da sua história, em todos aspectos, desde endividamento até governança corporativa".
"Parente fez um trabalho muito bom, a empresa desalavancou, desinvestiu ativos para reduzir sua dívida bilionária e voltou a crescer e gerar lucros, apoiado na política de paridade dos preços internacionais da commodity. Na gestão Castelo Branco, vista com desconfiança inicialmente, seguiu a mesma linha, até a interferência de governo que culminou na entrega do cargo de presidência da estatal", disse ele à Sputnik.
O resumo, na opinião do analista, é de que "os dois últimos presidentes da empresa caíram por causa da política de preço", que, segundo ele, "é muito benéfica para a companhia, mas gera conflitos em alguns setores", levando seu maior acionista, a União, a intervir "para não perder popularidade".
"Uma empresa de capital aberto acaba sendo usada como instrumento de política social, e a história comprova que isso tende a ser desastroso em algum momento."
O economista Edmar Almeida, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em mercado energético, argumenta que a desvalorização sofrida pelas ações da Petrobras quando do anúncio da substituição do seu presidente foi resultante da "incerteza natural que cria toda troca de liderança da empresa".
Também para ele, a estatal vinha em uma trajetória positiva e é normal que essa incerteza persistente gere preocupações entre seus acionistas.
"No caso da Petrobras a troca ocorreu por discordância entre o acionista controlador e liderança anterior. Essa discordância não foi porque a antiga administração não estava desempenhando [um bom papel]. Pelo contrário, a empresa estava em uma trajetória de recuperação rápida. A discordância está ligada à política de preços da empresa em um momento de forte desvalorização cambial concomitantemente ao aumento dos preços do petróleo. Portanto, é absolutamente compreensível que os acionistas não controladores fiquem preocupados", declarou também em entrevista à Sputnik Brasil.