Ananda Santa Rosa, consultora técnica da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), alerta para a possibilidade de um 2021 tão desastroso quanto os últimos anos em relação aos desmatamento do bioma amazônico. Ela chama a atenção para a necessidade de melhora no orçamento – um dos mais baixos dos últimos anos – para a preservação ambiental e para ações de prevenção aos incêndios, que devem começar desde já.
"Se houver ainda projeção de este ano ser mais seco, podemos ter um ano com tendência desastrosa. […] A gente tem um problema muito grave no Brasil. As brigadas só são contratadas para o período emergencial, de transição da época chuvosa para a seca, e durante a estação seca. […] Não existe uma contratação integral, nem apoio integral para ações preventivas o ano todo", diz Santa Rosa, em entrevista à Sputnik Brasil nesta quarta-feira (14).
Carlos Durigan, geógrafo e ambientalista da Associação Conservação da Vida Silvestre/WCS Brasil, destaca a desvalorização e o desmonte de importantes estruturas que contribuem para a preservação das florestas. O Ibama e o ICMBio recebem cada vez menos incentivos e investimento do governo federal, e acabaram perdendo autonomia de atuação. Já o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), que mostrou sucesso no enfrentamento do desmatamento e queimadas entre 2004 a 2012, acabou perdendo força.
"O discurso do presidente [Jair Bolsonaro] sempre foi de que as agências de controle e fiscalização eram uma indústria de multas e desqualificou o trabalho feito arduamente por estes órgãos. Ele ainda atacou a agenda socioambiental que há décadas vinha em um processo de fortalecimento com a participação de diversos setores da sociedade nacional. Esta postura fragilizou de forma extrema as políticas públicas socioambientais e deu aval para que ilícitos ambientais florescessem em toda a Amazônia", diz Durigan, em entrevista à Sputnik Brasil nesta quarta-feira (14).
O contexto favorece o aumento do desmatamento, da violência e conflitos sociais, da contaminação de rios e da degradação de nossa qualidade de vida nas comunidades amazônicas. Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que o desmatamento da Amazônia apresentou uma alta de 9,5% no último ano. Segundo o Observatório do Clima, levando-se em conta a média dos dez anos anteriores à posse de Jair Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%.
"Entendo que um programa forte e centralizado que alie ações de prevenção que incluam sensibilização e treinamento de produtores rurais para o uso consciente e planejado do fogo, além de combate a ilícitos como desmatamentos criminosos e ocupação ilegal de terras públicas, já ajudaria muito para evitarmos os cenários caóticos que enfrentamos nos dois últimos anos", ressalta Durigan.
Governo retira Forças Armadas da Amazônia
Em fevereiro, o governo federal decidiu pela retirada das Forças Armadas do combate ao desmatamento na Amazônia a partir de 1º de maio, depois de quase um ano de atuação dos militares na região.
A fiscalização passará a ter foco em 11 cidades de quatro estados (Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amazonas). Estes municípios, segundo o governo federal, concentram as queimadas e desmatamento na Amazônia. De acordo com o vice-presidente Hamilton Mourão, depois de um período de transição entre 15 e 30 de abril, a fiscalização será feita com os efetivos próprios de Ibama, ICMBio, Funai, Incra, além das Polícias Federal e Rodoviária Federal.
"A retirada dos militares para restaurar a autonomia das autarquias exercerem atividades de fiscalização é excelente. […] Mas por enquanto eu não vejo um aumento nesta autonomia", alerta Santa Rosa.
A presença dos militares na região, no entanto, não significou maior proteção ao bioma. Só em março, foram desmatados 367 km² de Floresta Amazônica – uma área equivalente a quatro vezes o tamanho de Vitória (ES). Na série histórica, que considera os dados das temporadas desde 2015, este foi o mês de março com maior devastação.
"Desmontar uma estrutura existente, com poder de inteligência e conhecimento da dinâmica, fragilizou ainda mais a forma de enfrentamento dos problemas. Entendo como de grande importância o apoio das Forças Armadas, mas a coordenação das ações devem ser realizadas pelo corpo técnico qualificado de nossas agências de gestão ambiental", afirma Durigan.
Nos últimos dias, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicou nas redes sociais reuniões sobre preservação ambiental com representantes de diversos países, como Japão, Alemanha, China e Estados Unidos. Santa Rosa, no entanto, é cética sobre a eficácia destas reuniões.
"Mas será que teremos competência e autonomia para realmente diminuir as taxas de queimada e desmatamento? A visão [sobre a atuação do governo federal] é a mais negativa possível", finaliza a especialista.