Às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, programada para os dias 22 e 23 de abril, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, enviou uma carta ao chefe de Estado norte-americano, Joe Biden, nesta semana, prometendo acabar com o desmatamento ilegal no país até 2030.
No documento, o líder brasileiro destacou que, para alcançar esse objetivo, serão necessários vultosos recursos, inclusive com apoio do governo dos Estados Unidos.
Nesta sexta-feira (16), no entanto, senadores do Partido Democrata também se dirigiram a Biden, pedindo que o presidente americano não envie assistência financeira ao Brasil antes que sejam confirmados avanços na luta brasileira contra o desmatamento, que cresceu consideravelmente durante a administração Bolsonaro.
Para o cientista político Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro e professor de relações internacionais do Ibmec-Rio, a promessa feita pelo presidente brasileiro ao seu homólogo norte-americano pode ser considerada surpreendente e com uma meta muito clara e pragmática, representando uma grande mudança de discurso do atual governo do Brasil.
Em entrevista à Sputnik Brasil, ele diz acreditar que esse ajuste, além de ter uma relação direta com as atuais circunstâncias dos laços bilaterais, também reflete a recente troca ocorrida no Ministério das Relações Exteriores, onde o polêmico Ernesto Araújo foi substituído pelo embaixador Carlos Alberto França, "mais diplomático" do que o antigo chanceler.
"É muito interessante ver essa diferença de tom. E eu acho que isso pode, de uma certa maneira, marcar, em um futuro próximo, uma mudança de postura pelo menos retórica. Eu acho que essa é a grande questão", afirma.
Apesar do compromisso, o especialista manifesta ceticismo quanto à possibilidade de o governo Bolsonaro efetivamente cumprir essa promessa ambiental. Na prática, essa seria mais uma maneira de o presidente brasileiro "ganhar tempo" para se reorganizar diante das crescentes pressões exteriores que vem sofrendo.
"Biden sinaliza que pressionará, de fato, o Brasil cada vez mais", destaca.
Além do ambiente externo, Paz também vê o atual líder brasileiro muito preocupado com a situação interna, marcada pelo retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à corrida pelo Palácio do Planalto em 2022.
"Me parece que ele está muito pressionado tanto fora quanto dentro do Brasil. Então, ele tem que tentar começar a apaziguar um pouco alguns ânimos. E essa carta é um movimento simples para ele. Quer dizer, obviamente, a base de apoio mais forte dele, enfim, não vai gostar do tom da carta, mas, certamente, vai entender que ele está fazendo isso meio que para enganar o Biden."
O documento, segundo o professor, não condiz com o que está acontecendo realmente no Brasil, uma vez que o governo nem está usando todo o orçamento disponível para combater de verdade o desmatamento. E isso, para ele, é mais um indicativo de que a carta em questão não passa de uma medida formal para tentar reduzir as tensões externas.
O governo Biden, por sua vez, não parece ter clareza ainda, segundo Paz, do que deverá fazer em relação ao Brasil.
"Eles estão esperando um pouco ver o Brasil abaixando o tom — como já está fazendo com essa carta — maneirando um pouco, tentar dar alguma sinalização de alguma política, uma diminuição, para que eles possam não fazer nada. O que vai ser um ganho para os Estados Unidos, porque fazer qualquer coisa vai ser uma coisa muito diferente."
Está em discussão no mundo, atualmente, a ideia de sanções climáticas e ambientais. Até agora, todas as sanções internacionais, de acordo com o pesquisador, acabam sendo motivadas por questões de segurança ou outras questões políticas. Mas, para ele, a possibilidade de essas novas sanções que estão sendo pensadas serem colocadas em prática justamente contra o Brasil não deve ser descartada.
"Lamentavelmente, o Brasil está se posicionando hoje para ser, talvez, o grande experimento [para] esse tipo de coisa acontecer. Vamos torcer para que não, porque a gente não sabe como isso pode prejudicar o Brasil."
Pensando também na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021, a COP26, a ser realizada em novembro, na Escócia, Leonardo Paz considera que Bolsonaro fez uma "jogada inteligente" ao dizer para Biden "exatamente o que ele queria ouvir", o que, a princípio, poderia levar a uma redução das cobranças internacionais sobre o Brasil.
"Como a carta chega muito próxima da COP, é possível que os países ainda tentem dar algum tipo de benefício da dúvida. Agora, o quanto isso vai se sustentar no tempo é muito difícil dizer."